quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Rui Ferreira


Rui Ferreira cumpriu sete épocas na I Liga e representou, por coincidência, três históricos do nosso futebol: Salgueiros, V. Guimarães e Belenenses.
Campeão da II Liga pelo Gil Vicente em 98/99, o antigo médio decidiu mudar-se para Vidal Pinheiro em busca da afirmação no futebol nacional e conseguiu-o: foram quase 200 jogos na I Liga em sete anos.
Foi Pimenta Machado quem o levou para Guimarães, e Rui Ferreira não defraudou minimamente as expetativas, visto que logo no primeiro ano na 'Cidade-Berço', ajudou o Vitória a ficar no quarto lugar do campeonato e consequente apuramento para a Taça UEFA.
Deixou a I Liga em 2006, quando saiu do Belenenses, e até terminar a carreira ainda representou Portimonense, Sp. Espinho e Santa Clara, por quem enfrentou o último grande desafio enquanto jogador: tentar subir à I Liga.
Rui Ferreira soma, também, dez internacionalizações por Portugal no escalão Sub-16, todas elas alcançadas enquanto jogador do Benfica, que o foi buscar ao Sp. Espinho na última fase da sua formação.
Atualmente com 43 anos, trabalha como comentador desportivo no Porto Canal e dirige a academia de futebol Marfoot, enquanto espera por um convite para voltar a treinar, já depois de ter orientado clubes como Boavista e Sp. Espinho.

Prémio Carreira: Campeão da II Liga pelo Gil Vicente, estreia-se na I Liga com a camisola do Salgueiros. Porquê esta mudança?
Rui Ferreira: Por uma razão muito simples: era um jovem com muita ambição, e o timing para chegar a um 'grande' começava a 'fugir'. Naquela altura, o Salgueiros era um clube que todos os anos ou quase todos os anos, vendia jogadores para clubes grandes, como o Deco para o FC Porto. E também porque era um clube perto do meu local de residência, pelo que apostei em ir para lá com a expetativa de chegar a um 'grande'. Foi mesmo uma aposta pessoal, porque se tivesse ficado no Gil Vicente até ia ser capitão.

PC: Recorda-se da estreia na I Liga?
RF: Sinceramente, não. Sei que antes de começar o campeonato, estava com muita expetativa e algum nervosismo, e com muita vontade em triunfar, mas do jogo em si que marca a estreia na I Liga não me recordo. [Com o Marítimo, em Vidal Pinheiro, vitória por 1-0.]

PC: Que balanço faz da sua passagem pelo Salgueiros?
RF: Faço um balanço positivo. Como disse, mudei-me para o Salgueiros com a expetativa de dar o 'salto' e apostei tudo na primeira época, que a nível coletivo não correu tão bem porque fizemos uma época fraca, mas a nível individual foi extraordinária, e no final da época o Boavista estava interessado em mim e no Pedrosa, mas acabou por contratar o Pedrosa. No meu último ano, descemos de divisão, num ano muito complicado, em que o Salgueiros começou a ter muitos problemas financeiros, tivemos troca de treinador, e o clube teve algumas falhas salariais para com alguns jogadores. Na altura, eu era sub-capitão e o João Pedro era o capitão, e fomos junto da direção pedir auxílio para alguns colegas nossos que estavam a passar por dificuldades. Resultado: acabámos afastados dos últimos oito jogos do campeonato, impossibilitados de dar o nosso contributo à equipa e de tentar ajudar o clube a manter-se na I Liga.
Tenho muito carinho pelo Salgueiros, e sei que esse carinho é recíproco, tanto da parte dos adeptos e da Alma Salgueirista, como da parte de pessoas que trabalhavam no clube na minha altura e que ainda hoje lá estão, pois às vezes vou ver jogos e sou sempre muito bem tratado.

PC: Do Salgueiros mudou-se para o V. Guimarães. Como surgiu essa possibilidade?
RF: De todos os jogos que fiz contra o Vitória, ganhei um admirador: o presidente Pimenta Machado. Como estava em fim de contrato com o Salgueiros e ele gostava muito da minha forma de jogar, decidiu contratar-me. Na verdade, dois anos antes já tinha tido a possibilidade de ir para Guimarães, com o mister Álvaro Magalhães, mas não se concretizou e acabou por servir de ponto de partida para o que veio a acontecer mais tarde. Mas tenho uma grande paixão tanto pelo clube como pela cidade. Posso mesmo dizer que fui "adoptado" pelos vimaranenses e pela cidade, e tenho lá pessoas que não considero como sendo minhas amigas, mas sim como se fossem da minha família.

PC: Em Janeiro de 2005 acaba por sair do Vitória sem ser por sua vontade, certo? O que se passou?
RF: Sim, certo. Foi uma fase de transição do clube. Saiu Pimenta Machado e entrou Vítor Magalhães, com outras ideias para o clube, naturalmente. As direções não se davam bem, e o Vítor Magalhães como queria estar rodeado por pessoas da sua confiança, decidiu mandar embora os jogadores que vieram com o Pimenta Machado. Como estava em fim de contrato e sabia que não havia interesse dele em que eu ficasse, surgiu o Belenenses ainda em Janeiro, e passado um ano de eu sair do Vitória, já não restava lá ninguém do meu tempo. Mas cada um tem as suas ideias, e temos que respeitar isso.

PC: E além do Belenenses, que outros convites teve?
RF: Penso que, na altura, o Beira-Mar interessou-se por mim, era o Luís Campos o treinador. Mas as razões que me fizeram optar pelo Belenenses são óbvias: é um dos 'grandes', tinha um bom treinador e uma boa equipa, em que 'só' para a minha posição haviam o Tuck e o Andersson, que era internacional pela Suécia. Mas felizmente correu-me bem a adaptação, o Andersson lesionou-se e eu consegui 'apanhar o comboio' e agarrar a oportunidade de ser titular, e nunca mais saí da equipa.
Mais tarde, indiquei alguns ex-colegas meus em Guimarães ao Belenenses, nomeadamente o Romeu e o Ivan Djurdjevic, porque se encaixavam nas ideias do clube, de ter jogadores com ambição e com valor não só futebolístico, mas também humano.

PC: No final da temporada 05/06, não só saiu do Belenenses, como se 'despediu' da I Liga. Não teve hipótese de continuar a jogar entre os 'grandes'?
RF: Com o Belenenses, foi uma situação normal de fim de contrato, e o clube não teve interesse em renovar. Da I Liga ainda tive o Estrela da Amadora, mas como estava numa fase muito difícil e não se decidia, optei por ir 'ajudar' o mister Diamantino Miranda, e assinei pelo Portimonense, da II Liga, também para não ficar muito tempo à espera e correr o risco de não ter clube. Em Portimão, apanhei o clube em ano de transição, entrou Fernando Rocha para a presidência, jogámos o ano todo no Estádio do Algarve e tivemos muitas dificuldades para ganhar jogos lá. No ano seguinte o clube viveu uma mudança muito forte, aproximou-se do FC Porto e recebeu alguns jogadores, e a meio da época vim para o Espinho, com a ideia de acabar a carreira no clube da minha terra, mas acabei por terminar a carreira no Santa Clara, que era orientado pelo Vítor Pereira e que estava numa fase de subida, e ele pediu para o ir 'ajudar' pois precisava de experiência. Infelizmente, ficámos 'pendurados' em Santa Maria da Feira na última jornada.


PC: Quais são os momentos da carreira que mais destaca?
RF: Pelo lado positivo, destaco o facto de ter jogado no Vitória de Guimarães, porque foi o clube que mais me marcou.
Pelo lado negativo, destaco o último ano que joguei no Salgueiros, pela razão que já referi anteriormente: por ter sido afastado dos últimos oito jogos, e por ter ficado impedido de ajudar os meus colegas e de exercer as minhas funções. Foi o momento mais negativo e doloroso que vivi no futebol, ainda por cima porque descemos e não pude ajudar a lutar pela manutenção.

PC: Fez sete temporadas na I Liga. Qual destaca como a sua melhor?
RF: Destaco a primeira que fiz no V. Guimarães, em 02/03, em que ficámos num magnífico quarto lugar. Foi uma época extraordinária tanto a nível individual como coletivo. Cheguei ao Vitória como sendo uma 'aposta' do Pimenta Machado e não do treinador, ganhei a titularidade na pré-época, e fiz 32 jogos no campeonato a jogar sempre a um nível muito elevado.
Mas também realço a primeira época que fiz no Salgueiros, pelo que já referi antes, e pelo simbolismo que teve por ser a estreia na I Liga.

PC: Fez 188 jogos na I Liga. Há algum que recorde em especial?
RF: Quando estava no Salgueiros, e jogámos contra o Sporting, naquele ano que o Sporting foi campeão ao fim de dezassete anos - em 2000 -, vivemos uma semana de loucos. Preparámos ao máximo esse jogo, até porque também precisávamos dele para não descer, mas os nossos planos saíram todos "furados", porque o relvado estava uma lástima. Falámos com os responsáveis do clube para melhorar o campo, mas eles disseram que era melhor o campo estar assim, porque os jogadores do Sporting eram melhores tecnicamente, e ia ser pior para eles. Mas não foi, porque ficou 4-0 (risos). E a primeira grande oportunidade do jogo até é nossa, não sei se pelo falecido Miklos Fehér ou pelo Paquito, mas penso que pelo Fehér, que quando vai a chutar, a bola bate num terrão e salta (risos). A primeira coisa que me veio à cabeça foram as palavras dos directores: ia ser melhor para nós, mas impediu-nos de tentar fazer golo primeiro que o Sporting (risos).
Também recordo um jogo no ano que subi pelo Gil Vicente, na Póvoa, contra o Varzim, que ganhámos por 4-0 e eu marquei um ou dois golos, não me lembro bem. Fizemos um jogo brilhante.

PC: E em quase 200 jogos, nem um golo. Há uma explicação para isso?
RF: Há, e é simples e verdadeira: antes de chegar à I Liga, no ano em que fui campeão pelo Gil, jogava principalmente a "oito" e fiz seis golos. Envolvia-me bastante nas jogadas ofensivas, participava nas bolas paradas ofensivas, etc. Mas quando cheguei à I Liga, todos os treinadores apostaram em mim para jogar a trinco, porque tinha um bom poder de colocação, boa leitura de jogo, era rápido, e mesmo sendo baixo, tinha um bom tempo de salto, pelo que eles não abdicavam de terem um jogador com estas características a defender nas bolas paradas, porque como era rápido podia fazer muitas dobras e recuperações, e a jogar a trinco não tinha grande envolvimento nos processos ofensivos. Esta é a razão com que me justifico, digamos assim.

PC: Jogou sete anos na I Liga e representou três históricos. Que significado tem isso para si?
RF: Significa orgulho, principalmente. Foram três clubes que aprendi a gostar, e onde fui sempre muito bem tratado e respeito. Aliás, fui bem tratado e respeitado por todos os clubes onde passei. Mas esses três são marcantes, claro. A certa altura cheguei a ter a ideia de fazer todo o resto da minha carreira no Salgueiros, mas entretanto o clube teve os problemas que teve e não deu. Pelo Vitória tenho uma paixão tremenda. A forma como fui tratado é incrível. O Belenenses é um clube de gente extremamente educada, infelizmente o presidente e o vice-presidente da altura já faleceram, mas eram pessoas de grande simpatia e educação. Acho que esse é um dos 'problemas' do Belenenses: falta mais agressividade num bom sentido, para que possam defender o clube de outra forma.

PC: Qual o melhor jogador que defrontou?
RF: Defrontei vários... Deco, por exemplo, fez dois anos magníficos no FC Porto e saiu para o Barcelona, naquela altura merecia ter sido eleito o melhor jogador do Mundo. Foi uma injustiça na minha opinião. Mas o que mais dificuldades me criava era, sem dúvida, o João Pinto. Eu no Deco 'encaixava' bem porque conhecia os movimentos dele, etc, mas o João não era bem um '10', era um '9 e meio', digamos. Fazia bastantes diagonais, movimentos nas costas da defesa, e naquela altura o trinco tinha sempre que andar atrás de um determinado jogador e calhava-me sempre o João, que era um 'saltitão' como eu lhe chamava. Desgastava-me imenso. Mas, curiosamente, nesses jogos era sempre eleito pelos jornais como o melhor jogador da minha equipa. Também apanhei o Mantorras na sua grande fase, no momento em que ele vinha fazendo furor. Recordo-me que foi um Salgueiros - Benfica, em Vidal Pinheiro, e eu fiz um jogo perfeito mesmo, porque ele vinha 'para cima' e eu não o deixava passar, ia atrás dele, fiz bastantes recuperações de bola, etc. No dia seguinte, num jornal até vinha "A arte de marcar Mantorras", ou coisa parecida.

PC: Que momento vivido no futebol quer/pode partilhar?
RF: Vivi um momento marcante quando jogava no V. Guimarães.
Na época 03/04, estivemos a lutar pela manutenção até ao fim, foi um ano muito confuso, o presidente Pimenta Machado foi ligado ao caso do "Saco Azul", o mister era o Jorge Jesus, e nós queríamos ter resultados, mas por uma ou outra razão, as coisas não saíam. Lembro-me que o mister estava há pouco tempo no clube e as coisas não estavam a correr de feição, por isso ele ia mexendo na equipa à procura das melhores soluções e a tentar que as coisas melhorassem. A dada altura, tivemos um jogo em casa contra o Gil Vicente, que perdemos por 2-0, e eu estava no banco. Com essa derrota caímos para a linha-de-água, e só conseguimos sair do estádio por volta da meia-noite, porque tinhamos a cidade toda à nossa espera para nos insultar (risos).
Na semana seguinte íamos jogar com o Marítimo, penso que logo na sexta-feira, e o Marítimo estava a fazer uma grande época. O mister nem queria dar treino, mas como seria o habitual treino de recuperação, com banhos e massagens, perguntou se dava para mudar o treino para o estádio. Mas o problema é que as banheiras de hidromassagem só existiam no complexo (risos). A maioria queria evitar ir ao complexo para não enfrentar os adeptos, mas eu fui um dos que se insurgiram contra isso, porque não achei correto, uma vez que os meus colegas precisavam de recuperar devidamente, e eu queria treinar para poder ser opção para o próximo jogo. Decidimos, então, treinar na segunda-feira de forma normal, no complexo. Quando lá chegámos de manhã, a verdade é que não estava lá ninguém para nos "chatear".
Começamos o treino, tudo normal, até que quando estamos a alongar, um senhor abriu uma porta que existe por trás de uma das balizas, e sentou-se junto ao poste da baliza a chorar e a pedir para darmos tudo para conseguirmos a manutenção, que preferia morrer a ver o Vitória descer de divisão. Nós estávamos a alongar dois a dois, eu estava junto com o Romeu, e lembro-me que as lágrimas vieram-nos aos olhos. Aí, quase que prometemos um ao outro que tinhamos de nos agarrar a tudo o que fosse possível, tinhamos que dar tudo por tudo, e custasse o que custasse, o Vitória tinha que sair daquela situação o mais rápido possível. Felizmente conseguimos a manutenção, e foi muito à base do grande grupo e espírito de equipa que existia no nosso balneário.

PC: Já foi treinador de Boavista e Sp. Espinho, mas neste momento é comentador desportivo no Porto Canal e dirige a Academia de futebol Marfoot. Por onde passam as suas ambições no futebol?
RF: Recentemente tirei o terceiro nível do curso de treinador, o chamado UEFA-A, e como tenho uma grande paixão pela área do treino, o meu objetivo passa por voltar a treinar. As oportunidades vão aparecendo e desaparecendo, ou porque a direção muda, ou porque surge um investidor com outras ideias, e só me resta esperar pela oportunidade certa. Até lá, vou vivendo a minha vida de forma tranquila, como comentador no Porto Canal e dirigindo a AC Marfoot, que está fixada em Silvalde (Espinho) e que, por enquanto, tem apenas escalões de futebol de sete.


A carreira de Rui Ferreira, aqui.

Veja aqui o resumo da carreira de Rui Ferreira em fotos:


E recorde aqui o célebre Salgueiros - Sporting de que Rui Ferreira fala:

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