quinta-feira, 24 de novembro de 2016

João Paulo


João Paulo será, porventura, um dos jogadores que mais clubes representaram na I Liga: foram sete, divididos por nove épocas, num total de 140 jogos e 23 golos.
O antigo ponta-de-lança começou a fazer história no dia 26/07/1999, quando apontou o único golo da final do Euro Sub-18, que permitiu a vitória lusa sobre a Itália e consequente conquista do título.
Mais tarde, veio a estreia na I Liga ao serviço do Boavista e empréstimos sucessivos a clubes do escalão maior, antes da primeira experiência no estrangeiro.
Entre 2005 e 2013, foi alternando entre o estrangeiro e a I Liga, tendo passado por Tenerife, em Espanha, Rapid Bucareste, na Roménia, Olympiakos Nicosia e Apollon Limassol, no Chipre, e Khazar Lankaran, do Azerbaijão.
Em 06/07 ajudou o Paços de Ferreira a apurar-se para a Taça UEFA, feito que repetiria em 12/13, quando fez parte de um 'super Estoril', orientado por Marco Silva, que fez um belíssimo campeonato e terminou na quinta posição.
Na formação, foi Campeão Nacional de Juniores por duas ocasiões, ao serviço do Boavista, tendo somado 34 internacionalizações e 12 golos por Portugal, entre os Sub-15 e a Seleção B.
Atualmente com 36 anos, é delegado do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol na zona Norte do País, e adquiriu recentemente o primeiro nível do curso de treinadores, pelo que o futuro passará, certamente, pelo futebol.

Prémio Carreira: Começo por lhe perguntar acerca do dia 26 de Julho de 1999...
João Paulo: Grande dia! É um dia que vai ficar sempre marcado na minha vida, não só como jogador, mas também na vida pessoal. Foi um golo importante e que fica para a história, ainda para mais porque deu um título europeu a Portugal, o que torna ainda mais marcante e prestigiante, pois conquistar um título por Portugal tem muita importância, obviamente.

PC: Apesar desse título, terminou a formação e foi emprestado, e só no terceiro ano como sénior teve a oportunidade de integrar o plantel principal do Boavista. Recorda-se da estreia na I Liga?
JP: Recordo, foi com o Varzim, na Póvoa, e curiosamente na temporada seguinte tornei-me jogador do Varzim.
Na altura, o Boavista era um grande clube, conhecido pela sua formação de qualidade, e optava por colocar os seus jovens jogadores a 'rodar' de forma a ganharem maturidade. Durante dois anos o clube decidiu, e decidiu bem, emprestar-me a clubes de II Liga, e percebo a importância que esses empréstimos tiveram, porque foram dois anos muito importantes para mim.
Depois quando regressei ao Boavista, é verdade que não foi um ano muito positivo em termos individuais, mas eram os "anos de ouro" do Boavista, a equipa era muito forte e fizemos uma campanha na Liga dos Campeões bastante positiva. Eu ainda era um 'miúdo', e apesar de não ter dado muito o meu contributo, aprendi bastante e fiquei, naturalmente, muito contente por ter feito parte dessa equipa.

PC: Nas três temporadas seguintes, seguiram-se três empréstimos sucessivos a clubes de I Liga - Varzim, Beira-Mar e Estoril. O que guarda de cada um deles?
JP: Penso que o importante na vida é tomar decisões. É melhor sermos nós a assumir, porque só depois é que se sabe se foi ou não a melhor opção que tomámos. E os empréstimos acontecem um pouco assim, porque tanto eu como o Boavista, achámos sempre que era a melhor opção.
No Varzim vivi um ano atípico. Foi um ano 'engraçado' para mim, digamos assim, importante para o meu crescimento, porque joguei fora da minha posição habitual - jogava a extremo-direito. Fizemos uma primeira volta fabulosa, lembro-me que na 'viragem' do campeonato estávamos no quinto lugar, e acabámos por descer. Foi o primeiro 'soco no estômago' que levei na minha carreira, porque acabou por ser um ano de insucesso, e custou bastante ver o clube descer, e sentir a tristeza dos meus colegas e dos adeptos.
Seguiu-se o Beira-Mar, e só posso dizer que adorei ter jogado lá. Adorei a cidade de Aveiro, e apanhei excelentes pessoas a todos os níveis: não só no plantel, como também na parte diretiva, e na parte da equipa técnica, que era liderada pelo mister António Sousa. E há também essa particularidade do meu primeiro golo na I Liga ter sido pelo Beira-Mar. Sei que atualmente está no Distrital, e é com muita pena minha que vejo o clube nessa situação.
No Estoril, apanhei um clube que vivia um período conturbado, por certas e determinadas razões que são do domínio público. Foi uma época muito difícil, numa fase em que o clube esteve perto de fechar as portas. Logo na pré-época saiu o mister Ulisses Morais, que tinha sido um dos responsáveis pelo crescimento do clube, veio o mister Litos, que apesar de não ter começado bem, conseguiu um grande resultado, que foi empatar no Dragão, diante de um FC Porto que tinha jogadores como Costinha, Diego, Luís Fabiano, Derlei, entre outros. Lembro-me que levámos um autêntico 'massacre', era normal que, a jogar em casa, o FC Porto tomasse conta do jogo e tivemos a sorte de conseguir aguentar o empate, com uma grande exibição do Jorge Baptista. Mas foi um ano positivo para mim, porque me permitiu a afirmação na I Liga no último ano de contrato que tinha com o Boavista.

PC: Em 2005 saiu para o Tenerife, mas a meio da época voltou a Portugal, para jogar no Paços de Ferreira. Porquê este regresso?
JP: Recordo-me que tinha várias propostas do mercado exterior, e optei por apostar num país onde o futebol é forte e é bem jogado, na minha opinião. Na altura tinha um empresário espanhol, o que também me influenciou de certa forma, e também tive em conta o facto de a Espanha ser 'logo aqui ao lado' e ser mais fácil a minha adaptação, porque era a primeira experiência que ia ter fora de Portugal. Sempre tive o objetivo de experimentar um campeonato fora, e apesar de em termos desportivos ter estado longe do que esperava, considero que foi uma experiência benéfica para mim.
O Paços, para mim, é um grande clube. Lembro-me que cheguei no último dia do mercado de Inverno, cheguei ao Porto já a meio da tarde de 31 de Janeiro, mas felizmente conseguiu-se a inscrição quase 'à última'. Aliás, nesse ano foi tudo 'à última', até a manutenção. À entrada para a última jornada, éramos a equipa que tinha menos possibilidades de descer, mas a combinação de resultados que estava a acontecer, aliada ao facto de estarmos a jogar com o Benfica, tornava a nossa tarefa ainda mais complicada. Estivemos a perder 1-0, mas demos a volta e ganhámos por 3-1, segurando assim a permanência.
Na época seguinte continuei no Paços, principalmente porque eu, no futebol, acredito em continuidade. E foi isso que demonstrámos na época seguinte, em que apesar de terem saído alguns jogadores importantes, entrámos para a história com a qualificação para a Taça UEFA, também conseguida na última jornada de um campeonato em que estivemos muito tempo sem perder em casa.

PC: Depois do Paços, seguiu-se o Leiria, onde em apenas meia temporada, era um dos melhores marcadores do campeonato e saiu em Fevereiro para o Rapid Bucareste, da Roménia. Que motivos o levaram a sair?
JP: Chego a Leiria depois de terminar contrato com o Paços, e foi com muita pena minha que saí, porque a passagem pelo Paços marcou-me imenso. São pessoas sinceras e honestas, que tinham interesse em manter-me, mas não excedem o seu teto salarial, ofereceram-me o máximo que podiam, mas a vida é assim mesmo.
Na União de Leiria, lembro-me que iniciámos muito bem a época, conquistámos a Taça Intertoto, e disputámos uma eliminatória com o B. Leverkusen na Taça UEFA, em que marquei nos dois jogos: lá perdemos 3-1 e em casa vencemos por 3-2. Individualmente foi bom, comecei a fazer golos, lembro-me que a meio da época tinha treze golos em todas as competições, cheguei a ser pré-convocado para a Seleção, e era o melhor marcador português do campeonato - com oito golos. Em Janeiro tive várias opções para sair, mas tinha uma cláusula de rescisão no valor de um milhão de euros, entretanto o mercado fechou, mas nos países de Leste continuava aberto. O Rapid veio-me observar num jogo contra a Académica, vencemos por 3-1, eu fiz dois golos, e aí eles deram o 'xeque-mate'. Pagaram a cláusula e ainda acrescentaram 250 mil euros por objetivos. Foi uma decisão difícil, porque o negócio foi feito muito rapidamente, estava a atravessar uma boa fase e sentia-me bem, e também porque o Leiria estava a passar por uma fase complicada e não queria deixar o clube naquela situação. Ao mesmo tempo, já tinha 27 anos, e sabia que ia ter poucas oportunidades para melhorar a minha vida de forma substancial, não só em termos económicos, mas também a nível de qualidade de vida e de outra experiência que ia viver. E claro, sabia que com a ida para a Roménia, a possibilidade de ser chamado à Seleção ia-se diminuir, mas optei por tomar a decisão de assinar pelo Rapid.


PC: Esteve na Roménia quase dois anos e voltou a Portugal, para jogar no Leixões. A que se deveu este regresso ao nosso País?
JP: Essencialmente porque começaram a surgir problemas financeiros na Roménia, tanto a nível de população como a nível de clubes. Ao mesmo tempo, comecei a ter problemas com o clube, devido ao incumprimento salarial, que chegou a ser de quatro meses. O clube teve uma proposta para me vender, mas recusou, e eu optei por forçar a saída, tanto que até já tinha apresentado queixa na FIFA devido aos salários em atraso.
Mesmo antes de rescindir, o meu desejo era voltar a Portugal, o Leixões manifestou interesse e eu aceitei. É um grande clube, vinha de uma temporada fantástica, mas naquele meio ano começaram-se a sentir algumas fraquezas, e acabámos por descer. O clube manifestou interesse em mim para a época seguinte, mas como não queria jogar na II Liga e o próprio clube vivia dias instáveis, decidi sair. Mas tenho muito carinho pelo Leixões e pela sua massa associativa, gostei imenso de jogar no Leixões, e posso dizer que é um clube que me marcou.

PC: Volta a emigrar, primeiro para o Chipre, e depois para o Azerbaijão. Foram boas decisões?
JP: O Chipre foi, sem dúvida, uma boa decisão. É um país onde o jogador português é muito bem recebido e acolhido, nunca tive problemas. Primeiro joguei no Olympiakos Nicosia, e foi uma época que em termos pessoas correu muito bem, fiz muitos golos, e sentia-me praticamente em casa porque tinha muitos colegas portugueses. No final da época o Omonia quis contratar-me, os clubes chegaram a acordo, mas eu não me entendi com o Omonia. Depois apareceu o Khazar Lankaran, do Azerbaijão, eu aceitei e eles pagaram a cláusula de rescisão. Mas foi a pior experiência da vida. Por vezes na vida temos de fazer reflexões, e eu fiz a minha, e foi um daqueles casos em que chegámos rapidamente à conclusão de que o dinheiro não é tudo. Tentei a sorte com um contrato muito bom, mas, imagine-se, iniciámos a pré-época, fizemos cinco treinos, e fomos a Israel disputar uma pré-eliminatória da Liga Europa, com o Maccabi Haifa, que perdemos por 3-1. A maior parte das equipas azeris ficam hospedadas em Baku, que é uma cidade fantástica, enquanto que Lankaran é, com todo o respeito, uma aldeia. Uma aldeia com muita gente, digamos (risos). Era muito difícil encontrar alguém que falasse inglês, eram pessoas muito fechadas, e chegávamos a ficar cinco ou seis dias em Baku, e só íamos a Lankaran jogar. O dono do clube fez um centro de estágio enorme, com estádio, campos de treino, piscina, hotel, etc. Aquilo mais parecia uma mini-cidade (risos). E depois houveram semanas em que ficávamos cinco ou seis dias nesse complexo, estávamos muito tempo 'fechados', e essa foi uma das razões que me fizeram ver que dinheiro não é tudo. E outro dos motivos que me fizeram querer ir embora rapidamente foi que alguns colegas brasileiros ausentaram-se do País por uns dias, e quando quiseram regressar não os deixavam, e como eu digo "nas costas dos outros vemos as nossas", e pensei que me poderiam fazer igual, pelo que pedi para sair, e claro que eles não ficaram contentes, porque tinham pago o meu passe, tinha dois anos de contrato, mas entretanto surgiu o Apollon Limassol, e eles aceitaram emprestar-me.

PC: Rescinde com o Khazar Lankaran e torna-se jogador do Estoril. Era a melhor opção?
JP: Sim, foi a melhor, sem dúvida. Tinha jogado lá uns anos antes e sentia-me em dívida para com o clube, porque tínhamos descido de divisão e não fizemos uma boa temporada. Quando o Mário Branco, que era o diretor-desportivo, me convidou, aceitei de imediato, porque já tinha 32 anos e sabia que não ia ser fácil regressar à I Liga. Regressei com grande satisfação, e tive um regresso feliz a um clube que estava completamente diferente do que era uns anos antes. Fizemos uma grande época, em qualquer estádio que jogássemos, jogámos sempre da nossa forma, sem medos, e fizemos muito bons jogos. O Estoril vinha da II Liga e ficou em quinto lugar, garantiu o apuramento para a Liga Europa, e isso fica para a história. O Marco Silva demonstrou e continua a demonstrar que é um grande treinador. A nível pessoal não correu muito bem, porque tive uma lesão em Janeiro que se arrastou até ao final da época, e nós nunca esperámos este tipo de coisas. Mas penso que, dentro de um grupo de trabalho, somos todos importantes, cada um à sua maneira, e eu sinto que também fui importante.

PC: Fez nove épocas na I Liga. Qual a sua melhor?
JP: Estatisticamente foi na União de Leiria. Penso que foi a época em que fiz mais golos no campeonato, logo em termos de números foi essa. Mas em termos coletivos, destaco as épocas no Boavista, no Paços de Ferreira e no Estoril.

PC: Ser campeão da Europa Sub-18 por Portugal foi o momento mais alto da sua carreira?
JP: Sim, foi. Até porque aconteceu na última fase da formação e acredito que foi importante para mim a nível de carreira, porque dei-me a conhecer e, se calhar, falou-se mais do João Paulo.

PC: O que falhou na sua carreira?
JP: Não é que tenha falhado algo... Há sempre margem para melhorarmos.
Mas a minha carreira foi como foi, estou extremamente contente pelo que fiz, e o percurso que fiz enquanto futebolista deu-me tudo o que tenho até hoje. Fiz muitas amizades, nunca prejudiquei ninguém para alcançar os meus objetivos, e isso também é importante, porque todos temos que seguir o nosso caminho sem prejudicarmos os outros.

PC: Qual o melhor golo que fez?
JP: O mais importante é óbvio, o que marquei à Itália na final do Euro Sub-18.
O melhor... julgo que também pela Seleção, nos Sub-20, diante da Turquia, no Torneio Internacional da Madeira. Virei-me de frente para o central, fiz-lhe uma 'cueca', e depois de o ultrapassar fiz um remate fortíssimo ao ângulo, nem eu sabia que chutava tão de força (risos). Infelizmente naquela altura não havia a facilidade que há hoje de se filmarem os jogos, mas fica na minha memória e na memória de quem lá esteve.

PC: Sendo o João Paulo ponta-de-lança, qual o melhor defesa-central que defrontou?
JP: Foram alguns. Ricardo Carvalho pela qualidade que sempre demonstrou, Ricardo Costa que foi meu colega na formação do Boavista e acho que uma vez até me partiu o nariz (risos), o Pepe que considero ser um dos melhores centrais de sempre, o André Cruz que jogou no Sporting, pela qualidade que tinha, entre outros...

PC: Que história ou momento caricato vivido no futebol, quer partilhar?
JP: Curiosamente, quando terminou o empréstimo ao Apollon Limassol e voltei ao Khazar Lankaran, estava decidido que não ficava no clube, mas fui fazer a pré-época até que a situação estivesse resolvida. Entretanto, o clube mudou de treinador, veio um treinador azeri, que falou comigo, disse que sabia da minha história, mas que contava comigo e queria que eu ficasse. Eu naturalmente agradeci-lhe o interesse, mas disse que não queria ficar. Estávamos a fazer a pré-época na Áustria, e qual não é o meu espanto quando no primeiro jogo de treino, ele me coloca a jogar a titular. Eu joguei sem problemas, e como é pré-temporada, estamos sempre mais relaxados em campo, mas, mesmo assim, fiz três golos. Quando acabou o jogo pensei logo "agora é que dei cabo da minha vida" (risos). Mas felizmente acabei por sair a bem.

PC: Atualmente é delegado do Sindicato de Jogadores e recentemente tirou o primeiro nível do curso de treinadores. Quais são as suas ambições para o futuro?
JP: O convite para integrar a equipa do Sindicato lisonjeou-me bastante, porque sempre me identifiquei com a sua política de ajudar sempre o jogador, e também me ajudou algumas vezes, pelo que decidi aceitar o convite para ser o responsável pela zona Norte.
Como costumo dizer, eu não faço planos para o futuro, precavenho-me para ele. Há um ditado que diz "o saber não ocupa espaço" e quero ter conhecimentos em muitas vertentes. É normal que há aquela saudade do dia-a-dia de uma equipa de futebol, de sentirmos a relva, e claro que queremos todos continuar ligados ao futebol, mas, essencialmente, vou-me formar para que um dia, se aparecer uma oportunidade, não tenha que rejeitar por não estar preparado.


A carreira de João Paulo, aqui.

Veja alguns dos melhores momentos da carreira de João Paulo:



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