quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Yannick


Com a chegada do novo ano civil, o Prémio Carreira decidiu começar pelo princípio de uma equipa de futebol: ou seja, a primeira entrevista de 2017 é com um antigo guarda-redes.
O francês Yannick Quesnel, que em Portugal se notabilizou com a camisola do Alverca e chegou ao Benfica, aceitou o convite para falar acerca da sua experiência no nosso País e, com um português bastante aceitável para quem já saiu de Portugal há quase doze anos, recorda aqui o que viveu no nosso futebol, numa passagem que durou quatro anos e meio.
A Naval "descobriu-o" em França, o Alverca deu-lhe a oportunidade de jogar na I Liga e de se "mostrar", e o Benfica conseguiu-o contratar em 2004, depois de uma tentativa falhada dois anos antes. Sem espaço nos encarnados, esteve meia temporada emprestado ao Estoril e terminou assim o seu percurso em Portugal.
Em três épocas de I Liga fez 75 jogos, grande parte deles pelo Alverca, por quem viveu duas descidas e uma subida em três temporadas.
Antes de chegar a Portugal, Yannick já contava com passagens por Sochaux, Bordéus e Cannes, e depois de sair do nosso país, ainda representou Marselha e Mónaco, terminando a carreira em 2011, nos escalões inferiores do futebol gaulês.
Atualmente com 43 anos, é um treinador desempregado em França e não esconde que gostava de treinar em Portugal.

Prémio Carreira: Chegou a Portugal para jogar na Naval, que estava na Segunda Liga. Como surgiu a possibilidade de vir jogar para cá?
Yannick Quesnel: A possibilidade de vir jogar para a Naval chegou em Dezembro de 2000. Acabei em Junho o meu contrato no Cannes, da Segunda Liga francesa, o clube estava com dificuldades financeiras, os contratos que foram mandados para renovação, foram cancelados pela Liga Francesa, e fiquei desempregado mesmo no inicio da época, na altura em que os clubes já tinham o plantel definido. Estava a abandonar a minha carreira e, de facto, voltei mesmo para a minha terra - Bordéus. Jogava na Quarta Divisão para ficar em boas condições caso aparecesse uma boa oportunidade, e ela chegou em Dezembro: o guarda-redes da Naval estava lesionado, o mister José Dinis pediu para me ver à experiência, recebi a chamada do empresário Artur Santos no dia 25 (boa prenda de Natal!), e fui logo com o meu carro para estar no treino do dia seguinte. Treinámos no campo pelado, devido à forte chuva, e quase fiz o melhor treino da minha carreira! Assinei o contrato no dia 27, na parte da tarde, e na semana seguinte disputei o meu primeiro jogo na II Liga portuguesa. Acabámos por perder em Espinho, mas fui a figura do jogo! É uma grande lembrança que tenho.

PC: Depois mudou-se para o Alverca, da Primeira Liga. Foi o único convite que recebeu? Que razões o levaram a aceitar a proposta do Alverca?
YQ: Recebi convites do Beira-Mar e do Guimarães, que dependiam da mudança do Palatsi do Beira-Mar para o Vitória, mas na altura não queria trabalhar com o Pimenta Machado, que era o presidente do Vitória, devido a uma antiga historia no verão de 2000, quando sai do Cannes. A única pessoa que me ligou e mostrou atenção foi o José Couceiro. Ele queria-me no Alverca e pagou a transferência à Naval. Aceitei o convite com satisfação, porque era uma boa oportunidade de jogar na Primeira Liga.

PC: Recorda-se da estreia na I Liga?
YQ: Foi um jogo em casa, com o Paços de Ferreira. Ganhámos 1-0 e fui a figura do jogo. Essa é uma das melhoras recordações que tenho da minha passagem por Portugal...

PC: Foi uma temporada positiva para si, que jogou quase sempre, mas negativa para o clube, que acabou por descer de divisão. Fale-nos dessa época.
YQ: Foi uma época estranha. O grupo de jogadores era mesmo bom, fizemos um bom percurso na Taça, mas não conseguimos ganhar os jogos importantes na luta pela manutenção. Faltou-nos assumir a responsabilidade, não houve líderes para levar o grupo para cima. Na minha opinião, não descemos por falta de qualidade, porque qualidade havia.

PC: Na época seguinte ajudou o Alverca a regressar à I Liga, mas a verdade é que em 03/04 voltou-se a repetir o cenário de 01/02: o Yannick foi sempre titular, mas o clube desceu novamente. O que falhou?
YQ: No regresso à I Liga, tivemos mais maturidade, e fizemos bons jogos, a luta foi até o fim. Tentámos evitar a despromoção, mas perdemos um jogo decisivo em casa com o Vitória de Guimarães, e no último jogo, em casa do Moreirense, fomos um pouco "roubados", como se diz aí. Foram épocas bem diferentes, no espaço de poucos meses conseguimos ser dos piores da I Liga e dos melhores da II Liga.

PC: E a hipótese de jogar no Benfica, como surge?
YQ: A hipótese surgiu já no final da primeira época que eu fiz no Alverca, mas faltava pagar uma percentagem da transferência à Naval. A Naval pediu dinheiro, a tal metade da transferência, mas não houve acordo entre Alverca, Benfica e Naval. Em 2004, no final da temporada acabámos por descer, mas fiquei livre, o meu contrato terminava, e houve uma proposta do Vitória de Guimarães, com o Jorge Jesus, e também do Benfica, com o José Veiga. A minha ideia era ir para o Vitória, mas a situação era complicada, porque o Palatsi ainda estava lá, e enquanto ele não saísse, não havia espaço para assinar, e assim fui para o Benfica, que foi mais rápido a tratar de tudo.


PC: Fez apenas um jogo oficial em meia época, e logo na pré-eliminatória da Champions, e em Janeiro foi emprestado. Esperava ter jogado mais?
YQ: Sim, claro que eu esperava jogar mais, mas fui logo enganado pelo "sistema". Estavam lá dois bons guarda-redes internacionais, Quim e Moreira, que voltavam do Euro com a Seleção. Fiz a pré-temporada como titular, joguei na primeira-mão da Liga dos Campeões e na segunda-mão, fomos ao Anderlecht disputar a eliminatória, com o Mister Trapattoni. Na véspera fizemos um treino para preparar a equipa, eu estava como titular, juntamente com cinco outros jogadores. Fizemos um bom treino e recebemos os últimos conselhos do mister para o jogo. Estávamos todos preparado para disputar esse jogo importante. Na tarde do jogo, tivemos a habitual palestra, e quando chegamos lá, o mister e o José Veiga estavam a falar e pediram-nos para esperar mais dez minutos lá fora, que foi o que fizemos. Quando descobrimos a equipa que ia jogar, foi uma surpresa e uma grande decepção para seis jogadores, incluindo eu. Não era o Trapattoni que mandava, mas sim o José Veiga, que foi quem mudou a equipa toda, e resultou numa derrota por 3-0, como se devem recordar. Em Lisboa, falei com o Trapattoni, e o seu discurso foi mesmo este: "sabes Yannick, não tenho nenhuma obrigação para dar razões do quem joga ou não, mas tu és uma boa pessoa, então, aqui não posso fazer como eu quero e, por causa disso, não vais jogar muito". Depois tentei falar com o José Veiga, mas ele dizia mentira sobre mentira...

PC: A meio da época seguiu emprestado para o Estoril. Foi uma decisão sua porque queria jogar ou a decisão partiu do treinador/clube?
YQ: Pelo que já falei, era melhor sair. Houve o Estoril, mas, se fosse o Belenenses ou o Setúbal, a decisão era a mesma. Decidi sair para jogar mais, mas sobretudo para ter um sentido no meu trabalho, ter concorrência com honestidade. 

PC: De todas as épocas que jogou em Portugal, qual considera como a sua melhor?
YQ: Na minha primeira época no Alverca - 01/02 -, apesar de termos descido, a título pessoal ganhei o prémio de guarda-redes da época.

PC: Fez 75 jogos na Primeira Liga. Há algum que recorde em particular?
YQ: O meu segundo jogo pelo Alverca, que foi no antigo José de Alvalade, ganhámos 1-0, e eu fiz um bom jogo.

PC: E avançados? Qual foi a sua maior "dor de cabeça" em Portugal?
YQ: Sem dúvida o "Super" Mário Jardel. Que goleador incrível...

PC: Que momento divertido ou história vivida em Portugal gostaria de partilhar?
YQ: Na Segunda Liga com o Alverca, tinhamos que disputar muitos jogos no Norte do País. Houve um acordo no inicio da época sobre os prémios de jogos para subir, mas o clube não tinha dinheiro, então o Mister Couceiro "arranjou" um prémio para nós: cada jogo fora no Norte, com vitória ou empate sobre os rivais na luta pela subida, dava um jantar no restaurante "Azevedo dos Leitões" na viagem de regresso para casa! Era mesmo muito bom, e preferíamos esse prémio!

PC: Jogou quatro anos e meio em Portugal. Que balanço faz da sua passagem por cá?
YQ: Jogar em Portugal, foi o melhor momento da minha carreira, a todos os níveis: não só na situação profissional, como também na pessoal. Portugal está no meu coração. Descobri um País, um futebol e uma maneira de viver bem diferente do que tenho aqui em França.

PC: Atualmente é treinador. Quais são as suas ambições para o futuro? Treinar em Portugal é um objetivo?
YQ: Tirei curso aqui, tenho o nível UEFA-A, treinei aqui na Divisão Pré-Honra, mas não quero ficar aqui. Acabei o meu contrato em Junho, depois de uma subida na Honra e uma final da Taça. Quero tirar o nível UEFA-Pro, mas tenho que treinar a um nível mais alto. Claro que gostava de treinar em Portugal, se houvesse um clube da Segunda Liga ou do Campeonato Prio com ambições, quem sabe se não regressava...


A carreira de Yannick, aqui.

Recorde aqui uma grande exibição de Yannick, pelo Alverca, contra o Sporting:


E veja aqui, entre o minuto 0:15 e 0:20 do vídeo, uma boa defesa de Yannick diante do FC Porto: