quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Marco Almeida


Marco Almeida teve uma estreia de sonho na I Liga: aos 20 anos, ao serviço do Sporting, foi titular diante da Académica e apontou o único golo do encontro.
Esse foi o ponto de partida para uma época em que fez quatro jogos e dois golos no campeonato, mas, depois, e ao contrário do que se pensava, só voltou a jogar pelo Sporting duas épocas mais tarde, entrando nos minutos finais de um jogo em Campo Maior.
Porém, esses poucos minutos em campo valeram-lhe algo muito especial: foi Campeão Nacional pelo seu clube de sempre, que, em 2000, pôs um ponto final num jejum que durava há dezoito anos.
O Campomaiorense, sempre por empréstimo do Sporting, e o Alverca, foram os outros clubes que o antigo central representou na nossa I Liga, tendo estado presente e sido titular no momento mais alto da história do clube alentejano: a final da Taça de Portugal em 98/99.
Experiências no estrangeiro foram quatro: a primeira no Southampton, emprestado pelo Sporting; o Ciudad de Múrcia, depois de sair do Alverca; e o Nea Salamina e o Akritas do Chipre, intervalados pelas passagens por Maia, Portimonense e Lourosa.
Clubes à parte, Marco Almeida somou 53 internacionalizações por Portugal, entre os Sub-15 e a extinta Seleção B.
Aos 39 anos é um dos treinadores dos Juniores do Alta de Lisboa, depois de já ter passado pelas camadas jovens do Águias de Camarate.

Prémio Carreira: Teve uma estreia na I Liga de que poucos se podem gabar...
Marco Almeida: Sim, é verdade. Foi um momento único. Recordo-me perfeitamente: foi um jogo contra a Académica, em Dezembro, ganhamos 1-0 e eu fiz o golo. O Marco Aurélio estava lesionado, o Beto castigado, e "sobrava" eu e o Nené. Sinceramente não esperava jogar. Sempre achei que o Vicente Cantantore optasse por outra situação, mas não, decidiu dar-me a oportunidade, e eu agarrei-a. 

PC: Nesse primeiro ano no Sporting, quatro jogos e dois golos. Foi um ano de aprendizagem?
MA: Sim, sim, acima de tudo, foi um ano de aprendizagem. Não de aprendizagem sobre a mística do clube, porque estava no Sporting desde os dez anos de idade e estava perfeitamente identificado com o clube - aliás, estava e estou. De repente, passei a estar lado a lado com grandes profissionais, que admirava imenso, e que estava habituado a ver apenas do lado de "fora". Mas foi uma fase muito complicada para o clube, o Sporting atravessava um mau momento, não tinha muita estabilidade, e a prova disso foi que nessa época tivemos quatro treinadores: começámos com o Octávio Machado, depois ficou o Vital, que era adjunto do Otávio, durante algum tempo, veio o Cantatore e ficou duas semanas, e por fim veio o Carlos Manuel, que terminou a temporada.

PC: No ano seguinte é emprestado ao Campomaiorense. Foi uma boa opção?
MA: Foi uma opção viável. Fui ao Torneio de Toulon pela Seleção Sub-21, tive uma proposta do Bétis, o Sporting aceitou mas eu não quis sair. Queria ficar cá e afirmar-me pelo Sporting, pelo que não tinha nenhum interesse em sair do clube. Entretanto surgiu a hipótese de ser emprestado ao Campomaiorense, o João Alves falou comigo, disse o que pretendia de mim e para a época do clube, e eu aceitei porque era mais benéfico jogar em Portugal, onde podia ser visto pelos diretores do Sporting, e principalmente porque ia poder jogar com regularidade, visto que era jovem e precisava de jogar. E foi, sem dúvida, uma decisão acertada. Fizemos uma excelente temporada, fomos à final da Taça, e tinhamos uma grande equipa: Isaías que tinha jogado no Benfica, Paulo Sérgio, Abílio, Luís Miguel, Mauro Soares, Jorge Ferreira que tinha sido capitão do Braga, Demétrios, Jorginho... era uma excelente equipa.

PC: Imagino que tenha ficado a mágoa por causa da Taça...
MA: Sim, ficou a mágoa, claro. São as chamadas "oportunidades de uma vida". Se calhar, nem daqui a duzentos anos tanto o Campomaiorense como o Beira-Mar voltam a ir a uma final da Taça. Não posso dizer se foi injusto ou não, porque o Beira-Mar marcou e nós não. Lutámos até ao fim, demos tudo o que podíamos para vencer a Taça e dar o prémio às pessoas de Campo Maior, mas, infelizmente, não conseguimos.

PC: Em 1999/2000, é emprestado ao Southampton, onde acaba por fazer apenas um jogo em meia época pela equipa principal. Como é que apareceu esta oportunidade e o que correu mal?
MA: Mais uma vez, não queria sair do Sporting. Posso mesmo dizer que fui "empurrado" para fora do Sporting, porque eu não queria sair do clube. Queria ficar e afirmar-me. Mas alguém se aproveitou da situação, porque houve muito dinheiro envolvido -  não foi o meu empresário, porque ele sempre me acompanhou desde os meus 18 anos e esteve sempre a meu lado -, e acabei por ir "parar" a Southampton.
Já tinha sido observado pelo olheiro do Southampton num jogo pela Seleção, penso que contra a Grécia, ele gostou de mim e indicou-me ao clube. Tive duas lesões durante o tempo em que lá estive, e houve outra questão que não ajudou: a adaptação. Fui sozinho, não conhecia ninguém... enfim, foram tempos muito complicados. Acabei por fazer só um jogo na Premier League, com o Arsenal, mas fiz muitos jogos pela equipa de reservas, até porque ainda era um "miúdo", tinha 20 ou 21 anos.

PC: E porque razão regressa ao Sporting a meio da época?
MA: Nessa época acabava contrato com o Sporting, e com a Lei Bosman, a partir de Janeiro estava livre para assinar por outro clube. O Southampton queria-me contratar em definitivo, oferecia-me cinco anos de contrato, e também apareceu o Benfica, penso que treinado pelo Graeme Souness. Penso que o Benfica me dava três anos de contrato mais um de opção, ia ganhar mais do que no Sporting, mas disse logo que nem pensar. Para isso preferia ficar em Inglaterra, apesar das dificuldades que lá sentia. No mesmo dia em que o meu empresário me falou desta situação, ligou-me à noite o Dr. Luís Duque, da SAD do Sporting - e que nunca tinha falado comigo -, a dizer que já sabia do interesse do Benfica e que sabia da minha situação contratual, e só me disse para eu apanhar o primeiro avião para Portugal assim que pudesse, que ia assinar por mais dois anos com o Sporting. E assim foi, no dia seguinte, às oito e tal da manhã, lá estava eu no meu aeroporto com tudo na mala para voltar ao Sporting (risos). Eu nem sabia, nem queria saber, quanto ia ganhar ou se ia ser aumentado. Só queria era renovar com o meu clube (risos). 

PC: Podemos dizer que regressou bem a tempo de ser Campeão Nacional...
MA: Sim, foi-me dada essa oportunidade pelo Inácio, e foi a concretização de um sonho que tinha desde criança, desde que entrei naquela casa com dez anos de idade. Joguei perto de cinco minutos em Campo Maior, mas foram cinco minutos que ficam para a vida. A ideia do Sporting quando me fez regressar, até era eu fazer dupla com o Beto, mas entretanto o clube decidiu ir buscar o André Cruz, que era um jogador e uma pessoa excepcional, e ficou mais complicado eu ter oportunidades. Passado uns dias de ter chegado, recordo-me que fui logo convocado para um jogo com o Benfica. Tinhamos uma equipa muito unida, de qualidade, mas não havia ninguém, na minha opinião, que se destacasse claramente dos demais, apesar do nosso guarda-redes ser o Schmeichel. O Inácio passou-nos sempre uma mensagem muito forte, o Sporting não era campeão há dezoito anos, ele dizia-nos constantemente que tinhamos uma grande oportunidade de ficar na história do clube, etc, nós agarra-mo-nos a isso e, felizmente, fomos campeões.

PC: Na época seguinte é novamente emprestado ao Campomaiorense, mas as coisas não correram tão bem como da primeira vez, certo?
MA: Certo. Nessa altura, tive também o interesse do Paços de Ferreira, mas como já tinha estado em Campo Maior e conhecia a realidade do clube e as pessoas, optei por voltar. Mas as coisas não correram muito bem, porque a equipa era totalmente diferente daquela que tinha "apanhado" dois anos antes, e acabaram por correr de uma maneira diferente da que eu esperava, tanto que descemos mesmo de divisão.


PC: Seguiu-se o Alverca, cinco meses de fora por lesão, e nova descida de divisão...
MA: Mais uma vez, voltei a sair contra a minha vontade. Fui chamado a uma reunião a Alvalade, onde um dos diretores da altura me disse "ou vais, ou vais", porque o Sporting tinha ido buscar o Diogo ao Alverca, e surgi como uma das "moedas de troca". Foi uma reunião muito difícil essa, porque eu não queria voltar a deixar o Sporting, e fui colocado entre "a espada e a parede", porque disseram-me que ou saia para o Alverca ou ia para a equipa B. Se eu tivesse 27 ou 28 anos naquela altura, aí sim, ia para a equipa B muito tranquilamente. Mas como tinha 23 ou 24 e queria jogar, acabei por assinar pelo Alverca. Pessoalmente foi uma época algo azarada, porque fui operado ao tendão de Aquiles e perdi cinco meses como disseste, e a nível coletivo a época também correu mal e acabamos por descer.

PC: Em 2002/2003 ajuda o Alverca a subir, mas em 2003/2004 voltam a descer. O que falhou para não conseguirem a permanência?
MA: As coisas começaram a correr mal quando fomos ao Bessa, estávamos a ganhar 1-0, e deram sete minutos de desconto. Nesses minutos de compensação, meteram-nos dentro da nossa área, o Boavista marcou dois golos e ganhou 2-1. No fim do jogo, o mister Couceiro até disse na flash-interview que a Maria José Morgado devia de investigar o que se passava no futebol português. Nessa época tivemos uns dez ou catorze penaltis contra, algo assim exagerado. Depois, na última jornada, em Moreira de Cónegos, ainda tinhamos a hipótese de permanecermos na I Liga, e estávamos na luta com o Belenenses. Lembro-me que ao intervalo estávamos empatados a zero, e o Belenenses estava a perder, logo a conjugação de resultados servia para nós. Mal começa a segunda parte, o Torrão faz uma falta na meia-lua, é marcado penalti contra nós e em poucos minutos sofremos três golos e acabamos por descer. Penso que, nesse ano, não havia grande coisa a fazer (risos).

PC: Deixou a I Liga aos 27 anos e não mais voltou. Não teve convites para continuar na I Liga?
MA: Quando saí do Alverca, tive um convite para o V. Guimarães, por parte do Manuel Almeida, que era candidato à presidência, e estive presente nas eleições como um dos trunfos da lista dele, juntamente com o Dominguez e com o Rui Marques que jogava no Estugarda, por exemplo. Mas depois quem ganhou as eleições foi o Vítor Magalhães e já não fui para lá. Entretanto apareceu-me o Ciudad de Múrcia, para a segunda divisão espanhola, e decidi aceitar com aquele objetivo de me manter em competição para depois voltar à nossa I Liga, mas acabei por nunca mais regressar.

PC: Além de Inglaterra, jogou em Espanha e no Chipre. Como foram essas experiências?
MA: Foram duas experiências completamente diferentes, mas que gostei muito de as viver. Em Espanha só estive um ano, em Múrcia, e em Chipre estive duas vezes, a primeira durante uma época, e a segunda durante duas épocas. Antes de ir a primeira vez para o Chipre, falei com o Rui Dolores e com o Tiago Lemos, que já estavam no clube para onde eu ia - Nea Salamina - e o feed-back deles foi bom, pelo que decidi ir. Mais tarde voltei para o Akritas, mas aí já não correu tão bem porque em duas épocas ficaram-me a dever vários meses de salário.

PC: Das seis épocas que fez na I Liga, qual destaca como a sua melhor?
MA: Destaco as duas pelo Alverca, porque fui titular assíduo e consegui destacar-me.

PC: Qual foi o ponta-de-lança mais difícil que enfrentou?
MA: Nuno Gomes. Tinha uma grande capacidade para jogar de costas para a baliza e para jogar ao primeiro toque, os movimentos que fazia eram difíceis de acompanhar... era difícil marcá-lo.

PC: Qual foi o melhor momento da sua carreira?
MA: Sem dúvida o golo pelo Sporting no primeiro jogo oficial que fiz.

PC: E o que falhou na sua carreira?
MA: Eu tenho orgulho da minha carreira e do que alcancei, mas é assim, se me perguntares se poderia ter chegado mais longe, eu respondo que claro que podia. Podia-me ter afirmado no Sporting, por exemplo, como falaste, no primeiro ano, fiz dois golos em quatro jogos, o que é muito bom para um central, ainda por cima "miúdo" como eu era na altura. Mas penso que não fui mais longe não por demérito, mas por faltar aquela oportunidade para me poder afirmar. Recordo-me até que na altura, juntamente com o Beto, batemos o recorde da dupla de centrais mais jovem do Sporting, em que superámos a dupla Venâncio-Morato.
Faltou a Seleção A, também. Joguei todos os escalões entre os Sub-15 e a Seleção B, fui internacional 53 vezes... enfim, faltou só mesmo a Seleção principal.

PC: Que história vivida no futebol pode partilhar?
MA: Quando estava no Campomaiorense, no ano em que fomos à final da Taça, a época estava a correr tão bem, que as pessoas do próprio clube bem como as pessoas da terra, davam-nos mais "liberdade" para sairmos etc. Então, ali na zona, fomos apanhados em tudo quanto era sítio desde Portalegre, Badajoz, Vila Viçosa, Évora... éramos sempre apanhados (risos). Uma vez estávamos a jantar e alguém falou para irmos até Setúbal. E eu disse que para ir para Setúbal, mais valia ir para o Barreiro e ia dormir a casa (risos). Acabei por não ir e a meio da noite, acordo com uns estrondos fortes nas persianas de minha casa. Assustei-me e perguntei quem era, e era o Professor Fidalgo Antunes, preocupado com os meus colegas e a berrar comigo: "ó Marco eles tão malucos, onde é que eles estão?" e eu, sem querer denunciar ninguém, perguntei "mas eles quem? eu estava sossegado a dormir e você tá aí aos berros, o que é que se passa?" e ele diz-me "eles foram para Setúbal, Marco", e eu aí digo "então se sabe, para que é que me tá a perguntar?" e o prof responde-me "era para ver se tu dizias. mas olha, eles são tão burros tão burros, que foram para o sítio onde estão a fazer a festa da Delta" (risos). Foi uma situação engraçada, porque ninguém os convidou e eles, sem saberem, foram parar à festa de uma empresa que "mandava" no clube onde eles jogavam (risos). Mas depois aquilo resolveu-se facilmente com uma multa e tudo voltou ao normal (risos).

PC: Atualmente é treinador-adjunto dos Juniores do Alta de Lisboa. Quais são os seus objetivos enquanto treinador?
MA: Fui convidado pelo Wilson Teixeira a trabalhar com ele nos Juniores do Alta de Lisboa, decidi aceitar o convite e estou muito contente por o ter feito. Nesta altura, estamos a lutar para subir de divisão, e espero que consigamos alcançar esse objetivo. Já tinha estado dois anos no Águias de Camarate, com os Juvenis e com os Juniores, e o Wilson chegou a ver alguns jogos e identificou-se com a minha maneira de estar e com as minhas ideias de jogo. Estamos, naturalmente, a trabalhar para tentarmos entrar no futebol sénior, e claro que o objetivo passará sempre por chegarmos à I Liga. Há clubes que representei enquanto jogador e que gostava de representar enquanto treinador: gostava de trabalhar no Sporting, não só pelo sentimento que existe, mas também porque foi lá que me fiz Homem, mas também gostava de voltar ao Alverca ou ao Portimonense, porque foram clubes que me marcaram muito positivamente.


A carreira de Marco Almeida, aqui.

Veja aqui o golo de Marco Almeida na estreia pelo Sporting:


Uma peça da RTP sobre a assinatura do contrato profissional de Marco Almeida com o Sporting:


E veja aqui mais um golo de Marco Almeida pelo Sporting:


sábado, 11 de fevereiro de 2017

Tony


Tony é o Senhor que se segue no Prémio Carreira.
Formado na cantera do Paris Saint-Germain, o antigo defesa-direito decidiu regressar a Portugal assim que subiu a sénior e passou pelo Sandinenses e pelo D. Chaves, antes de um outro Toni, de seu nome António Conceição, o ter contratado para jogar no Estrela da Amadora e na I Liga.
Ao fim de uma temporada e meia na Reboleira, chamou a atenção do Cluj, e foi para a Roménia ajudar o clube dos ferroviários a tornar-se num "grande": foi duas vezes Campeão, venceu três Taças e duas Supertaças, já para não falar das idas à Liga dos Campeões.
Em 2011 voltou ao nosso País, para o V. Guimarães, e passou depois por Paços de Ferreira e Penafiel, totalizando assim 104 jogos na I Liga, divididos por sete temporadas.
Golos na I Liga, só um. E que golo. Ao Sporting, pelo Paços, de cabeça, num jogo que marca uma temporada que foi excepcional para os castores: terceiro lugar final no campeonato, em 2012/2013.
Estreou-se na I Liga em pleno Estádio do Dragão, o mesmo sítio onde, ironia do destino, viria a fazer, dez anos mais tarde, o último jogo da carreira.
Atualmente com 36 anos, Tony é treinador-adjunto de Ricardo Chéu, uma "aventura" que começou na temporada passada no Académico de Viseu, e que conhece esta época novo capítulo, ao serviço do Freamunde.

Prémio Carreira: Do D. Chaves ao Estrela e à I Liga. Como é que surgiu esta hipótese?
Tony Silva: Eu era seguido pelo António Conceição (Toni) há muito tempo, desde a altura que ele trabalhava no Braga e até me queria levar para lá. Na altura jogava no Sandinenses, na II Divisão B, e até tive a oportunidade não só de ir para o Braga, como de ir para o FC Porto B, mas optei por escolher o D. Chaves, porque é a terra do meu Pai e porque o GD Chaves é o clube do meu coração. Uns anos mais tarde, o Toni foi para o Estrela e veio-me buscar. Tive, também, o interesse do Paços de Ferreira, que era treinado pelo José Mota, mas o Toni já me conhecia, veio ter comigo pessoalmente e eu senti-me "desejado", e saber que ia para um clube no qual o treinador me queria, fez-me sentir que seria um passo importante para me impor na Primeira Liga.

PC: Recorda-se onde se estreou na I Liga?
TS: Foi no Estádio do Dragão...

PC: E onde fez a despedida, já agora?
TS: No Dragão também. É curioso, porque isso foi um "sinal" para terminar a carreira, digamos assim.
Tinha e sentia-me com condições físicas e psicológicas para jogar mais dois ou três anos, mas já tinha emigrado durante alguns anos, e preferi parar quando fui convidado pelo Ricardo Chéu para ser adjunto dele. Ele, na altura, "deu-me" duas semanas para pensar no assunto, e eu pus-me a pensar, e achei que era um sinal ter-me estreado na I Liga no Dragão e ter feito o último jogo lá também. Uma coisa do género: começaste aqui, agora acabas aqui também. Nós, ao longo da carreira, pensamos nestes pormenores todos, e isso foi, para mim, um "sinal" de que estava na altura de deixar de jogar.

PC: A sua primeira época no Estrela foi muito boa...
TS: Foi uma época que pessoalmente correu muito bem. Fui eleito o melhor defesa direito do campeonato ao serviço do Estrela, que não é nada fácil. Falou-se muito do interesse do FC Porto e do Benfica, mas o presidente do Estrela olhou pelos interesses do clube e, inconscientemente, não me deixou sair. Toda a gente sabe que o Estrela era um clube que passava dificuldades financeiras, mas eu recebi sempre tudo direitinho, pelo que também não me vi no direito de forçar a saída. Lembro-me que se falava no interesse do Levante, do Mónaco, de clubes italianos, etc, mas, como disse, o presidente olhou pelos interesses do clube e preferiu manter-me.

PC: Aquela meia época de 06/07 foi uma continuidade da sua afirmação?
TS: Sim, exatamente. Continuei a excelente época que tinha feito, até porque não passava despercebido, e não era só por ser careca (risos). Penso que tinha uma forma diferente de jogar. Se me pedisses para fintar, não fintava, mas dentro do meu registo, penso que era um jogador diferente, porque tinha intensidade, porque era muito concentrado e inteligente a jogar, mantinha a mesma intensidade durante os noventa minutos, etc. E em Dezembro apareceu uma proposta muito boa do Cluj, irrecusável que é mesmo assim, e aí sim, senti que era o momento ideal para sair e fui junto do presidente forçar a minha transferência.

PC: A experiência na Roménia correu-lhe muito bem, certo? Ganhou tudo o que havia para ganhar, foi à Liga dos Campeões...
TS: Sim sim, correu muito bem. Durante o tempo que lá estive, ganhei dois Campeonatos Nacionais, três Taças, duas Supertaças, fui duas vezes à Liga dos Campeões, outras duas à Liga Europa... Pelo Cluj atingi aquele patamar que todos os jogadores querem atingir, que é ganhar títulos e serem reconhecidos. Foi uma experiência que me correu mesmo super bem. Em meio ano passei a ser a "coqueluche" do Cluj, toda a gente gostava de mim, e no estádio em cem camisolas, oitenta tinham o nome do Tony. Fui, e ainda sou, muito respeitado na Roménia. Semanalmente dou entrevistas para lá, e muitos presidentes ligam-me a pedir informações sobre determinados jogadores que jogam em Portugal.

PC: Em Dezembro de 2011 dá-se o regresso a Portugal, mais concretamente para o V. Guimarães. Que razões o levaram a regressar e porquê o Vitória?
TS: É uma história atípica. Achei que era o fim da minha história no Cluj, porque já tinha ganho tudo e não tinha mais motivação para continuar. Surgiu o interesse do Sp. Braga, que me agradou, mas acabei por ir para o V. Guimarães. No dia anterior a fazer os exames médicos no Braga, fui almoçar a Sande, onde tinha jogado, e encontrei lá o Emílio Macedo, que era o presidente do Vitória. Ele admirou-se por me ver lá e perguntou: "então Tony que andas a fazer aqui?", e eu disse que ia para Braga, e ele disse logo "é pá, para o Braga não! vens para o Vitória!". E foi assim que ele me conseguiu "desencaminhar". Mais tarde, claro, fiquei a pensar naquela escolha porque o Braga acabou por ir, nesse ano, à final da Liga Europa.
Acho que escolhi mal e escolhi bem. Quando digo que escolhi bem, penso que toda a gente entende o porquê: lá vive-se o clube de uma forma que não se vive em mais lado nenhum. Ser do Vitória, em Guimarães, é quase como uma religião. A nível desportivo as coisas correram mal, porque acabei por não ser aposta. O mister Manuel Machado apostava no Alex, que era uma figura do clube, com muitos anos de casa, e eu respeitava as decisões dele. Acabo por fazer um jogo contra o V. Setúbal, em que fiz um bom jogo, e até fui eleito pela SportTv e por alguns jornais como o melhor em campo, e na semana seguinte nem sequer fui convocado. Não virei a cara à luta, continuei a trabalhar duro à espera que a minha oportunidade surgisse, mas não surgiu, e até fui ao Jamor na final da Taça que perdemos com o FC Porto (6-2). No ano seguinte, fiz a pré-época normal, fomos a Aveiro jogar a Supertaça com o FC Porto também, e num treino rasguei um dos gémeos e estive dois meses parado. O treinador já era o Rui Vitória, que também optava pelo Alex, e eu, como vi que ia voltar a viver a mesma situação da época passada, pedi para sair.


PC: E o Paços de Ferreira como é que "apareceu"?
TS: O convite do Paços apareceu através do Carlos Barbosa, que era o presidente naquela altura. O Paços estava "condenado" a descer de divisão quando fui para lá, mas fizemos uma recuperação extraordinária com o mister Henrique Calisto, e na segunda volta, exceptuando os "grandes", fomos a equipa que mais pontos somou. Acabámos por ficar numa posição tranquila, praticamente a meio da tabela. Passei anos fantásticos em Paços. É um clube à minha imagem. Revejo-me totalmente naquela ideologia. É um clube humilde, ao dia 8 de cada mês pagam a toda a gente, e não falta nada a quem lá trabalha. Não me canso de dizer isto: é um clube à minha imagem.

PC: O que significou para si a época 2012/2013?
TS: De tudo o que alcancei na carreira, essa época é a maior satisfação pessoal que tive. Quando estava no Cluj, nós pusemos o clube a ganhar títulos e a ir à Liga dos Campeões com regularidade. Fizemos do Cluj um "grande", que foi mesmo assim. Mas o terceiro lugar com o Paços tem um significado completamente diferente. Fizemos uma grande época, em que só perdemos com o Benfica e com o FC Porto. Há aquele jogo com o Sporting, que faço o golo da vitória, lembro-me perfeitamente de tudo: era um livre para nós, o Josué estava para bater, e eu decidi subir. O Fonseca começou a dizer para não ir, para ter cuidado com o Bruma, por causa do contra-ataque, mas eu disse que ia, e lá fui. O Josué bate, a bola vai ao poste, eu atiro-me de cabeça, e faço golo. Costumo dizer que dei os três milhões ao Paços (risos). O empate era muito bom para nós, não só por ser com o Sporting, mas porque nos permitia manter-mos a vantagem de quatro pontos para eles, mas ao ganharmos, "arrumámos" praticamente com o Sporting do terceiro lugar e, até ao fim, a nossa luta foi com o Sp. Braga. Na última jornada, jogávamos em casa com o FC Porto, e queríamos festejar o terceiro lugar e nem podíamos, porque o jogo decidia o título, e fomos ameaçados e "picados" por todos os portistas e benfiquistas.

PC: Em 2014 deixa o Paços e assina pelo Penafiel, que tinha acabado de regressar à I Liga. Porquê?
TS: O último ano em Paços foi duro, porque só conseguimos a manutenção num play-off com o Aves, depois de uns meses antes termos ido às competições europeias, e de termos jogado com o Zenit no play-off da Liga dos Campeões. Senti que precisava de outro desafio, e como a direção do Paços ia mudar e ninguém sabia quais os jogadores que ficavam ou não, decidi sair para o Penafiel. Infelizmente as coisas não correram bem, foi uma época má a todos os níveis, e descemos. Penso que se tivessem dado mais tempo ao Ricardo Chéu, ou tivessem mantido o Rui Quinta até ao fim, acredito que tinhamos garantido a manutenção. A direção optava por mudar para ver se as coisas melhoravam, e o grupo ressentia-se disso. Faltou estabilidade, na minha opinião.

PC: Essa época marca o fim do seu percurso como jogador, e uns meses depois já estava como treinador-adjunto. É mais difícil estar do lado de dentro ou de fora?
TS: Do lado de fora, sem dúvida. Enquanto jogador só tens que pensar em treinar e jogar, e depois tens o tempo todo livre. Quando és treinador, as coisas mudam. Tens que tomar decisões, tens que planear treinos, analisar adversários, analisar jogadores, ocupa muito do nosso tempo. Podia ter continuado a jogar, porque ainda recebi alguns convites para continuar, nomeadamente do Gil Vicente, e outros para voltar a emigrar, mas o Ricardo Chéu ligou-me para ir para o Ac. Viseu, e eu até lhe disse "achas que o Académico tem dinheiro para me pagar?" (risos), mas ele disse que não era para jogador, mas sim para adjunto, e eu até fiquei na dúvida se ele estava a falar a sério ou se estava a brincar, porque só o tinha conhecido uns meses antes, quando fui jogador dele em Penafiel durante dois meses e meio. E foi assim que decidi terminar a carreira como jogador e abraçar este desafio de ser adjunto.

PC: Das sete épocas que fez na I Liga, qual foi, para si, a melhor?
TS: Claramente a época 2012/2013, do terceiro lugar com o Paços de Ferreira. Pessoalmente foi uma boa época e aprendi imenso com o Paulo Fonseca. Posso dizer que ele me deu uma visão do futebol que eu não tinha. Foi importante para mim. E acredito que se lhe tivessem dado mais tempo no FC Porto, ele tinha feito algo semelhante ao que o Mourinho fez.

PC: E o extremo que mais "trabalho" lhe deu, quem foi?
TS: Em Portugal, o Quaresma. Era complicado marcá-lo, mas gostava de jogar contra ele. Nas competições europeias, "apanhei" o Robben, e o homem só queria correr (risos). Eu até digo que às vezes ia para lhe dar umas porradas, mas já não conseguia, porque ele era tão rápido tão rápido, que conseguia fugir (risos).

PC: Qual foi o melhor momento da sua carreira? O terceiro lugar conseguido pelo Paços ou ser campeão pelo Cluj?
TS: Como já falei e pelas razões que já mencionei, sem dúvida, o terceiro lugar pelo Paços.

PC: O que ficou por atingir na carreira?
TS: Se calhar faltou jogar num "grande" em Portugal. Lembro-me que num ano em que o Fernando Santos era treinador do Benfica, o Benfica foi à Roménia fazer a nossa apresentação, e eu fiz um grande jogo, e o mister quis-me logo trazer para o Benfica, mas o Cluj não deixou. Uns anos mais tarde, o Cluj recebeu uma proposta do Sevilha por mim, mas não aceitaram, e isso deixou-me alguma mágoa. E houve sempre o objetivo da Seleção, mas sabia que não tinha grandes hipóteses porque o titular era o Bosingwa, e ainda havia o Paulo Ferreira como alternativa. Mas não me arrependo de nada do que fiz.

PC: Agora vem a parte em que o Tony é "especialista". Que história é que pode contar?
TS: (risos) É verdade, só queria fazer asneiras (risos).
Quando estava no Paços de Ferreira, fomos à Madeira, jogar com o Marítimo, não sei se era o último ou o penúltimo jogo, na época do mister Calisto. O Filipe Anunciação ia casar, então decidimos fazer-lhe lá a despedida de solteiro, e combinámos ir a uma casa de striptease. Atenção, que a futura mulher dele sabia disso (risos). Chegámos lá, começamos a olhar para as senhoras que lá estavam, mas elas eram tão fracas, que eu mesmo decidi dispensá-las e fui para cima do palco (risos). Até me virei para uma e disse: pega lá o dinheiro, mas não é para fazeres nada, é mesmo para saires daqui (risos). Foi um momento caricato, mas o pior foi para o Filipe, que em vez de ter um strip de uma mulher, teve que levar com um strip aqui do careca.
Tenho outra de quando estava no Cluj, em que o nosso roupeiro era um senhor já com alguma idade. Um dia fomos jogar não sei se a Munique ou a Bordéus, para a Liga dos Campeões, e como é sabido, nos aeroportos todos temos que passar pela revista. Antes de chegar a vez dele ser revistado, eu meti um vibrador preto com uns 50 cm dentro da mala dele, e quando eles passaram aquilo no controlo, aquilo começou a vibrar e eles chamaram o homem à parte. Ele lá foi ver o que seria, sem sequer imaginar, e quando os funcionários do aeroporto tiraram aquilo da mala, haviam de ver a cara dele (risos).

PC: Atualmente é treinador-adjunto. Quais são os seus objetivos para o futuro?
TS: O objetivo, a curto prazo, é dar continuidade enquanto adjunto do Ricardo Chéu. Sou um adjunto feliz, digamos assim, porque o Ricardo dá-me toda a liberdade para exprimir as minhas ideias e as minhas opiniões, e trocámos, constantemente, opiniões e ideias sobre tudo.
Quanto ao futuro, não penso nisso. Neste momento revejo-me muito mais em potenciar jogadores, por isso, gostava de, um dia, treinar uma equipa de Juniores ou mesmo treinar uma equipa B, mas não tenho aquele desejo "forte" de ser treinador principal de uma equipa Sénior.


A carreira de Tony, aqui.

Veja aqui um vídeo de homenagem a Tony, feito por adeptos do Cluj:


E veja o golo de Tony, pelo Paços, ao Sporting, aqui.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Yannick


Com a chegada do novo ano civil, o Prémio Carreira decidiu começar pelo princípio de uma equipa de futebol: ou seja, a primeira entrevista de 2017 é com um antigo guarda-redes.
O francês Yannick Quesnel, que em Portugal se notabilizou com a camisola do Alverca e chegou ao Benfica, aceitou o convite para falar acerca da sua experiência no nosso País e, com um português bastante aceitável para quem já saiu de Portugal há quase doze anos, recorda aqui o que viveu no nosso futebol, numa passagem que durou quatro anos e meio.
A Naval "descobriu-o" em França, o Alverca deu-lhe a oportunidade de jogar na I Liga e de se "mostrar", e o Benfica conseguiu-o contratar em 2004, depois de uma tentativa falhada dois anos antes. Sem espaço nos encarnados, esteve meia temporada emprestado ao Estoril e terminou assim o seu percurso em Portugal.
Em três épocas de I Liga fez 75 jogos, grande parte deles pelo Alverca, por quem viveu duas descidas e uma subida em três temporadas.
Antes de chegar a Portugal, Yannick já contava com passagens por Sochaux, Bordéus e Cannes, e depois de sair do nosso país, ainda representou Marselha e Mónaco, terminando a carreira em 2011, nos escalões inferiores do futebol gaulês.
Atualmente com 43 anos, é um treinador desempregado em França e não esconde que gostava de treinar em Portugal.

Prémio Carreira: Chegou a Portugal para jogar na Naval, que estava na Segunda Liga. Como surgiu a possibilidade de vir jogar para cá?
Yannick Quesnel: A possibilidade de vir jogar para a Naval chegou em Dezembro de 2000. Acabei em Junho o meu contrato no Cannes, da Segunda Liga francesa, o clube estava com dificuldades financeiras, os contratos que foram mandados para renovação, foram cancelados pela Liga Francesa, e fiquei desempregado mesmo no inicio da época, na altura em que os clubes já tinham o plantel definido. Estava a abandonar a minha carreira e, de facto, voltei mesmo para a minha terra - Bordéus. Jogava na Quarta Divisão para ficar em boas condições caso aparecesse uma boa oportunidade, e ela chegou em Dezembro: o guarda-redes da Naval estava lesionado, o mister José Dinis pediu para me ver à experiência, recebi a chamada do empresário Artur Santos no dia 25 (boa prenda de Natal!), e fui logo com o meu carro para estar no treino do dia seguinte. Treinámos no campo pelado, devido à forte chuva, e quase fiz o melhor treino da minha carreira! Assinei o contrato no dia 27, na parte da tarde, e na semana seguinte disputei o meu primeiro jogo na II Liga portuguesa. Acabámos por perder em Espinho, mas fui a figura do jogo! É uma grande lembrança que tenho.

PC: Depois mudou-se para o Alverca, da Primeira Liga. Foi o único convite que recebeu? Que razões o levaram a aceitar a proposta do Alverca?
YQ: Recebi convites do Beira-Mar e do Guimarães, que dependiam da mudança do Palatsi do Beira-Mar para o Vitória, mas na altura não queria trabalhar com o Pimenta Machado, que era o presidente do Vitória, devido a uma antiga historia no verão de 2000, quando sai do Cannes. A única pessoa que me ligou e mostrou atenção foi o José Couceiro. Ele queria-me no Alverca e pagou a transferência à Naval. Aceitei o convite com satisfação, porque era uma boa oportunidade de jogar na Primeira Liga.

PC: Recorda-se da estreia na I Liga?
YQ: Foi um jogo em casa, com o Paços de Ferreira. Ganhámos 1-0 e fui a figura do jogo. Essa é uma das melhoras recordações que tenho da minha passagem por Portugal...

PC: Foi uma temporada positiva para si, que jogou quase sempre, mas negativa para o clube, que acabou por descer de divisão. Fale-nos dessa época.
YQ: Foi uma época estranha. O grupo de jogadores era mesmo bom, fizemos um bom percurso na Taça, mas não conseguimos ganhar os jogos importantes na luta pela manutenção. Faltou-nos assumir a responsabilidade, não houve líderes para levar o grupo para cima. Na minha opinião, não descemos por falta de qualidade, porque qualidade havia.

PC: Na época seguinte ajudou o Alverca a regressar à I Liga, mas a verdade é que em 03/04 voltou-se a repetir o cenário de 01/02: o Yannick foi sempre titular, mas o clube desceu novamente. O que falhou?
YQ: No regresso à I Liga, tivemos mais maturidade, e fizemos bons jogos, a luta foi até o fim. Tentámos evitar a despromoção, mas perdemos um jogo decisivo em casa com o Vitória de Guimarães, e no último jogo, em casa do Moreirense, fomos um pouco "roubados", como se diz aí. Foram épocas bem diferentes, no espaço de poucos meses conseguimos ser dos piores da I Liga e dos melhores da II Liga.

PC: E a hipótese de jogar no Benfica, como surge?
YQ: A hipótese surgiu já no final da primeira época que eu fiz no Alverca, mas faltava pagar uma percentagem da transferência à Naval. A Naval pediu dinheiro, a tal metade da transferência, mas não houve acordo entre Alverca, Benfica e Naval. Em 2004, no final da temporada acabámos por descer, mas fiquei livre, o meu contrato terminava, e houve uma proposta do Vitória de Guimarães, com o Jorge Jesus, e também do Benfica, com o José Veiga. A minha ideia era ir para o Vitória, mas a situação era complicada, porque o Palatsi ainda estava lá, e enquanto ele não saísse, não havia espaço para assinar, e assim fui para o Benfica, que foi mais rápido a tratar de tudo.


PC: Fez apenas um jogo oficial em meia época, e logo na pré-eliminatória da Champions, e em Janeiro foi emprestado. Esperava ter jogado mais?
YQ: Sim, claro que eu esperava jogar mais, mas fui logo enganado pelo "sistema". Estavam lá dois bons guarda-redes internacionais, Quim e Moreira, que voltavam do Euro com a Seleção. Fiz a pré-temporada como titular, joguei na primeira-mão da Liga dos Campeões e na segunda-mão, fomos ao Anderlecht disputar a eliminatória, com o Mister Trapattoni. Na véspera fizemos um treino para preparar a equipa, eu estava como titular, juntamente com cinco outros jogadores. Fizemos um bom treino e recebemos os últimos conselhos do mister para o jogo. Estávamos todos preparado para disputar esse jogo importante. Na tarde do jogo, tivemos a habitual palestra, e quando chegamos lá, o mister e o José Veiga estavam a falar e pediram-nos para esperar mais dez minutos lá fora, que foi o que fizemos. Quando descobrimos a equipa que ia jogar, foi uma surpresa e uma grande decepção para seis jogadores, incluindo eu. Não era o Trapattoni que mandava, mas sim o José Veiga, que foi quem mudou a equipa toda, e resultou numa derrota por 3-0, como se devem recordar. Em Lisboa, falei com o Trapattoni, e o seu discurso foi mesmo este: "sabes Yannick, não tenho nenhuma obrigação para dar razões do quem joga ou não, mas tu és uma boa pessoa, então, aqui não posso fazer como eu quero e, por causa disso, não vais jogar muito". Depois tentei falar com o José Veiga, mas ele dizia mentira sobre mentira...

PC: A meio da época seguiu emprestado para o Estoril. Foi uma decisão sua porque queria jogar ou a decisão partiu do treinador/clube?
YQ: Pelo que já falei, era melhor sair. Houve o Estoril, mas, se fosse o Belenenses ou o Setúbal, a decisão era a mesma. Decidi sair para jogar mais, mas sobretudo para ter um sentido no meu trabalho, ter concorrência com honestidade. 

PC: De todas as épocas que jogou em Portugal, qual considera como a sua melhor?
YQ: Na minha primeira época no Alverca - 01/02 -, apesar de termos descido, a título pessoal ganhei o prémio de guarda-redes da época.

PC: Fez 75 jogos na Primeira Liga. Há algum que recorde em particular?
YQ: O meu segundo jogo pelo Alverca, que foi no antigo José de Alvalade, ganhámos 1-0, e eu fiz um bom jogo.

PC: E avançados? Qual foi a sua maior "dor de cabeça" em Portugal?
YQ: Sem dúvida o "Super" Mário Jardel. Que goleador incrível...

PC: Que momento divertido ou história vivida em Portugal gostaria de partilhar?
YQ: Na Segunda Liga com o Alverca, tinhamos que disputar muitos jogos no Norte do País. Houve um acordo no inicio da época sobre os prémios de jogos para subir, mas o clube não tinha dinheiro, então o Mister Couceiro "arranjou" um prémio para nós: cada jogo fora no Norte, com vitória ou empate sobre os rivais na luta pela subida, dava um jantar no restaurante "Azevedo dos Leitões" na viagem de regresso para casa! Era mesmo muito bom, e preferíamos esse prémio!

PC: Jogou quatro anos e meio em Portugal. Que balanço faz da sua passagem por cá?
YQ: Jogar em Portugal, foi o melhor momento da minha carreira, a todos os níveis: não só na situação profissional, como também na pessoal. Portugal está no meu coração. Descobri um País, um futebol e uma maneira de viver bem diferente do que tenho aqui em França.

PC: Atualmente é treinador. Quais são as suas ambições para o futuro? Treinar em Portugal é um objetivo?
YQ: Tirei curso aqui, tenho o nível UEFA-A, treinei aqui na Divisão Pré-Honra, mas não quero ficar aqui. Acabei o meu contrato em Junho, depois de uma subida na Honra e uma final da Taça. Quero tirar o nível UEFA-Pro, mas tenho que treinar a um nível mais alto. Claro que gostava de treinar em Portugal, se houvesse um clube da Segunda Liga ou do Campeonato Prio com ambições, quem sabe se não regressava...


A carreira de Yannick, aqui.

Recorde aqui uma grande exibição de Yannick, pelo Alverca, contra o Sporting:


E veja aqui, entre o minuto 0:15 e 0:20 do vídeo, uma boa defesa de Yannick diante do FC Porto:

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

João Armando


João Armando chegou à I Liga em 1995, para jogar na União de Leiria, mas seria ao serviço do Paços de Ferreira, anos mais tarde, que se afirmaria no futebol português.
Dois anos na cidade do Lis e três na 'capital do Móvel' valeram-lhe 125 jogos e três golos no nosso principal campeonato.
O antigo central começou-se a destacar na I Liga em 1997, quando marcou o único golo de um jogo que terminou com vitória da U. Leiria sobre o Sporting. A descida dos leirienses nesse ano, levou João Armando a fazer três temporadas consecutivas na Liga de Honra, até regressar ao topo pelo Paços de Ferreira, clube que ajudou a subir de divisão com uma recuperação estrondosa.
Pelos pacenses na I Liga, João Armando realizou noventa em jogos em três temporadas, mas saiu do clube no final de 02/03, sem que, ainda hoje, treze anos depois, saiba as razões da sua saída.
Seguiram-se passagens por Portimonense, Académico de Viseu e Imortal, antes de terminar a carreira onde a tinha começado: no Lusitano VRSA, onde se retirou, primeiro, em 2008, e anos mais tarde, em 2013, quando já com 40 anos, fez meia época na III Divisão Nacional.
Atualmente com 44 anos, trabalha na área da segurança e é treinador-adjunto da equipa sénior do Louletano, que compete no Campeonato de Portugal Prio.

Prémio Carreira: Começou no Lusitano VRSA e passou pelo Benfica Castelo Branco, até chegar ao Leiria e à I Liga. Como surgiu esta oportunidade?
João Armando: É verdade. Fiz a minha formação e subi a sénior no Lusitano, e depois saí da minha zona de conforto, deste 'cantinho' de Portugal que é o Sotavento algarvio, para jogar no Benfica de Castelo Branco. Essa possibilidade apareceu através do mister Benvindo Assis, que tinha uma grande amizade com o Pedro Gomes, ex-jogador do Sporting, e que era o treinador do Benfica Castelo Branco na altura. Estive lá dois anos, e lembro-me que na segunda época, o Joaquim Peres, que era o adjunto do Pedro Gomes e subiu a principal nesse ano, veio ter comigo antes de um treino se iniciar e disse que não ia poder contar comigo. Eu assustei-me e estranhei, naturalmente. Mas ele disse para ficar tranquilo, porque o Estrela da Amadora estava interessado em mim, e estava em negociações com o BC Branco. Mas entretanto os clubes não chegaram a acordo e não saí. No segundo ano continuei a jogar e a destacar-me, até porque sempre fui um central que fazia golos, e um dia apareceu um empresário com uma simples questão, se queria jogar na I Liga, e se não me importava de ir à experiência. E eu respondi que claro que não me importava. Primeiro ele tentou colocar-me à experiência no Boavista, que era treinado pelo Manuel José, que é meu conterrâneo, aqui de Vila Real de Santo António, e até já nos conhecíamos, porque temos um grande amigo em comum, que é o Sr. Vasques, antigo jogador do Atlético e do Belenenses. Mas o Boavista, naquela altura, era um clube muito forte, que ambicionava outras coisas, como ir à Taça UEFA, por exemplo, e o Manuel José disse para esperarmos mais um tempo, que ainda era miúdo e que aquele não era o momento certo. O Pedro Maia, como tinha apostado em mim, não quis esperar muito e ligou ao Vítor Manuel, que estava na União de Leiria. Estive duas semanas à experiência, e reencontrei lá o grande amigo da minha vida, Ferreira, que infelizmente já faleceu. Tinhamos uma verdadeira amizade, já tinhamos jogado juntos no Lusitano VRSA, e ajudou-me bastante nesse período, foi peça fundamental na minha adaptação, mas todo o grupo me aceitou na perfeição, e acabei por ficar e assinar com a União de Leiria.

PC: Recorda-se da estreia na I Liga?
JA: Recordo. Foi com o D. Chaves, em casa, ganhámos 4-1, e entrei nos minutos finais.

PC: Nessa primeira época de Leiria fez oito jogos como suplente utilizado no campeonato. Foi uma época que serviu, fundamentalmente, de adaptação à I Liga?
JA: Sim, de adaptação e de incertezas também, porque vinha da II Divisão B e passei por dificuldades. Lembro-me perfeitamente que até ao jogo com o Marítimo, na Madeira, era dado como jogador para dispensar, e tive que batalhar contra tudo isso. Nesse jogo, o Paulo Duarte lesionou-se, e eu estava no banco juntamente com o Sérgio, que era outro central do plantel. O mister mandou-nos aquecer os dois, e recordo-me de pensar como era possível irmos os dois, porque naquela altura sentia-me em melhores condições para jogar do que o meu colega, não quero dizer que era melhor, ou que era superior, simplesmente pensava que estava melhor naquela fase, e que seria primeira aposta. Acabei por entrar, perdemos 1-0, mas o jogo correu-me bem. Durante o voo de regresso, o Crespo falou com o mister Vítor Manuel e depois veio-me confortar, dizendo para ter calma e esquecer a ideia da dispensa, que tinha falado com o mister e que eu não ia sair. E, de facto, na terça-feira seguinte isso confirmou-se e acabei por não ser dispensado.

PC: Na segunda época, faz o golo da vitória diante do Sporting, mas o Leiria fez uma época abaixo das expetativas e acabou por descer...
JA: Segundo me disseram na altura, essa foi a primeira vez que o Leiria ganhou ao Sporting na sua história. Claro que foi um grande momento para mim marcar o golo da vitória sobre um grande. Nesse ano, penso que não houve estabilidade. Não digo da parte da direção ou da parte financeira, porque nesse aspeto cumpriram sempre enquanto lá estive. Mas tivemos três treinadores nessa época, as coisas simplesmente não saíam e não surgiam, e quando "acordámos" já foi tarde, porque fizemos um ponta final muito boa, mas não conseguimos a permanência.

PC: Volta à I Liga três anos depois, com a camisola do Paços de Ferreira, onde em três épocas fez quase cem jogos no campeonato. Esse período foi a afirmação do João Armando enquanto jogador de I Liga?
JA: Foi, sem dúvida alguma. A minha passagem pelo Paços foi marcante a todos os níveis. Fui Pai uns meses antes de ir para Paços, quando estava em Penafiel, e tive toda a estabilidade tanto a nível emocional, como futebolístico e familiar. Também foi nessa altura que comecei a perceber o que poderia fazer quando deixasse de jogar, porque o futebol não dura sempre, e quando chegámos a uma certa altura da carreira, temos que começar a olhar para o futuro. Nesses anos abri horizontes, digamos assim, e comecei a ter alguns pensamentos sobre a minha vida futura. Mas foram três épocas magníficas, em que fazia em média trinta jogos por temporada, falhando sempre alguns jogos, porque tendo em conta a minha posição, acabava sempre por estar suspenso em uma ou outra ocasião. Foram três anos onde atingi o auge da minha carreira, numa cidade fantástica e num clube fantástico, que cumpre sempre com as suas obrigações, e acabámos por fazer história na II Liga, porque a catorze jornadas do fim estávamos perto de descer, e ainda fomos campeões nacionais. E não esqueço, também, as vitórias sobre os três grandes na primeira época que fizemos na I Liga - 2000/2001.

PC: Como é que um titular durante três temporadas sai para a II Liga?
JA: Olhe, ainda ando à procura dessa resposta, sinceramente. No último ano que estive no clube, já com mais de meia época decorrida, houve um diretor que veio ter comigo e disse que queriam renovar, e eu disse claro que sim, quando quiserem, só que a verdade é que o tempo foi passando e nunca sequer falaram comigo. Até hoje não consigo perceber, porque pela parte financeira não terá sido, porque se fosse esse o motivo, teriam-me feito uma proposta de maneira a que eu recusasse, penso eu.


PC: Do Paços saiu para o Portimonense. Não teve convites para continuar na I Liga?
JA: Não, por acaso não. Aquilo que começava a ver já naquela altura, e que hoje se vê cada vez mais, é que não é pelo valor de um jogador que se lhe dá a oportunidade. É preciso mais qualquer coisa, a nível de conhecimentos/amizades, ou outras coisas, não sei... Se aparecer um jogador que seja fora-de-série, não precisa dessas coisas, porque os seus atributos são mais do que suficientes. Mas, caso contrário, penso que não depende apenas e só do jogador, cada vez mais funciona assim, e isso deixa-me triste com o futebol.

PC: Fez cinco temporadas na I Liga, qual destaca como a sua melhor?
JA: Penso que a primeira época com o Paços na I Liga. Não só para mim, como talvez para todos os meus colegas desse ano. Foi um ano magnífico. O grupo continuou praticamente o mesmo, vinha com rotina de vitórias, e os que entraram entenderam perfeitamente a mensagem que o mister José Mota passava, e que era fundamental, porque ele dizia-nos sempre que podíamos ganhar em qualquer campo. Nós jogávamos com alegria, tinhamos prazer no que fazíamos, e jogávamos, essencialmente, para nos divertirmos, e esse era o caminho. Prova disso, como já falei, são as vitórias sobre os três grandes nessa época.

PC: Quais os jogos que lhe trazem mais recordações?
JA: É inevitável o jogo contra o Sporting, pelo Leiria, em que faço o golo da vitória e que me ficará eternamente marcado. Pelo Paços recordo, principalmente, as vitórias em Alvalade e na Luz.
Pelo lado negativo, recordo-me de um jogo com o Sporting, pelo Paços, na Mata Real, que perdemos 6-0, mas que nos primeiros vinte minutos, lembro-me como se fosse hoje, fomos extraordinários, estivemos sempre em cima do Sporting, e quem podia estar em vantagem éramos nós. Mas aquilo "virou" e ao intervalo estávamos a perder 4-0. Foi algo "estranho" o que aconteceu naquele jogo. Lembro-me que nesse dia tinha os meus Pais em minha casa e quando cheguei vinha tão desiludido que nem lhes falei, fui diretamente para o meu quarto e "refugiei-me" lá a chorar, parecia que ia acabar o Mundo, porque eu vivia para o futebol, como os meus colegas naturalmente, mas aquele resultado mexeu muito comigo.

PC: Qual foi o melhor momento da sua carreira?
JA: Tive vários momentos muito bons... Não posso esquecer a minha estreia como sénior, no Lusitano VRSA, na Liga de Honra. Foi um momento marcante, que significou o início do meu percurso no futebol. Depois, a mudança para Castelo Branco, onde vivi dois anos maravilhosos e que foram o "reforço" do início do percurso. Naturalmente que a chegada à Liga foi um momento especial, e depois os anos que passei em Paços de Ferreira, onde atingi tudo o que ambicionava quando era miúdo, vivi tempos muito bons a todos os níveis, e onde me senti plenamente realizado.

PC: O que faltou atingir na sua carreira?
JA: Faltou eu procurar mais qualquer coisa. Fiz o meu caminho, o caminho que ambicionava desde miúdo, mas faltou isso mesmo, procurar mais qualquer coisa para a minha carreira, atingir um patamar mais elevado... Quando estava em Leiria, lembro-me que os jornalistas chegaram-me a questionar se não queria ir à Seleção, por exemplo. É natural que queria chegar lá, mas quando se joga num clube mais pequeno, se dissermos que queremos ir à Seleção, nem sequer somos levados a sério, na minha opinião, porque é mais complicado atingirmos esse meta quando não jogamos num dos três "grandes".

PC: Qual o ponta-de-lança mais difícil que defrontou?
JA: Fisicamente, o Nuno Gomes quando estava no Boavista. Psicologicamente, aquele que deixava um defesa de rastos, não só cá como nas competições europeias, o Mário Jardel. Era muito difícil controlá-lo e segurá-lo porque ele tinha "faro" de golo. Numa ocasião pelo Paços, fomos a Alvalade, e à entrada para o túnel houve um jornalista que me perguntou como ia fazer em relação ao Jardel, e eu lembro-me de lhe responder que o meu objetivo era que o Jardel não fizesse golos, porque se ele não marcasse, os jornais iriam falar de mim no dia seguinte.

PC: Que momento vivido no futebol pode/quer partilhar?
JA: Quando estava no Leiria, fomos à Luz jogar contra o Benfica e perdemos 4-0. Depois do jogo, na viagem de regresso para Leiria, vinhamos todos cabisbaixos e calados no autocarro, naturalmente, e o Ferreira que tinha sido o guarda-redes nesse jogo e que vinha sentado atrás de mim, tocou-me no ombro e disse: "Joni, o União perdeu, mas o nosso Benfica ganhou" (risos). E eu tive que esboçar um sorriso, porque num momento daqueles, ele conseguiu reagir bem e sair-se com aquela frase. Era uma pessoa fantástica e, nas situações mais difíceis, sabia sempre como dar a "volta por cima".

PC: Atualmente trabalha na área da segurança e é adjunto do Louletano. As suas ambições no futebol passam por continuar como adjunto ou ambiciona ser treinador principal?
JA: Comecei como adjunto do Lusitano VRSA, e a meio da época passada fui convidado pelo Ivo Soares para ir com ele para o Louletano. Neste momento, ganhámos uma grande amizade e temos uma ambição conjunta de mostrar que o que fazemos tem valor e é válido, e que merecemos uma oportunidade noutros campeonatos. Naturalmente que ninguém sabe o dia de amanhã, e se aparecesse uma proposta para ser treinador principal, não diria que não, mas todos os dias vou aprendendo, adquirindo novas ideias e vou-me empenhando em fazer melhor dia após dia.


A carreira de João Armando, aqui.

Veja aqui, ao terceiro minuto do vídeo, o golo de João Armando diante do Sporting:


Um golo de João Armando, pelo Paços de Ferreira, ao Gil Vicente:

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Riva


Ao fim de cinco meses de existência, o Prémio Carreira decidiu 'alargar os horizontes' e entrevistar, pela primeira vez na sua história, um dos muitos estrangeiros que marcaram o futebol português.
Atravessámos o Atlântico e chegámos a Riva: o antigo extremo brasileiro jogou oito anos em Portugal, representou os grandes rivais minhotos Guimarães e Braga, e foi dando cartas através da velocidade e técnica que possuía.
Foi Vítor Urbano quem lhe abriu as portas de Portugal, em 1993, quando o trouxe para o Paços, e seria o mesmo Vítor Urbano a "repescar" Riva para o nosso futebol, dois anos mais tarde, em 1995, trazendo-o para o Chaves.
Seguiram-se quatro anos em Guimarães, onde privou, entre outros, com Branko Milovanovic, um talento incompreendido (ou mal aproveitado?) que passou pelo futebol português. Com uma grande história na 'Cidade Berço', trocou o Vitória pelo Braga em 2000, onde viria, dois anos mais tarde, a despedir-se do futebol nacional, regressando ao seu País para vestir a camisola da Ponte Preta.
Com mais de 200 jogos e 28 golos no nosso principal campeonato, Riva fez grande parte da sua carreira em Portugal e só tem elogios para tudo o que viveu por terras lusas.
Aos 46 anos, é treinador e responsável pelo projeto Riva Sports, uma espécie de escola de futebol que vai ajudando a integrar e a "lançar" os jovens de Itabira, sua cidade-natal.

Prémio Carreira: Maior parte dos portugueses recorda-se de si em Guimarães, mas foi o Paços de Ferreira que o trouxe para Portugal. Como surgiu a oportunidade de vir jogar para cá?
Riva Silva: Olha, surgi para o futebol no Valério Doce de Itabira, e fui considerado o melhor jogador de base de Minas Gerais. Aí, o Cruzeiro me contratou para disputar o campeonato brasileiro. Depois do campeonato terminar, o empresário Adelson, junto com mister Vitor Urbano do Paços de Ferreira, me contratou por empréstimo.

PC: E na estreia na I Liga, marcou logo um golo...
RS: Sim, contra o Gil Vicente. Lembro que foi um dia especial, pois era a minha estreia e o mister disse que ia fazer um golo. O estádio da Mata Real estava lotado de adeptos. Foi uma festa. Mas quando cheguei aí, no primeiro jogo amistoso que fiz, contra o CSKA Sófia da Bulgária, fiz dois golos também.

PC: No fim da época deixou Portugal e voltaria um ano depois para jogar no Chaves. Porquê este "intervalo" na passagem por cá e porquê o Chaves na hora do regresso?
RS: Voltei ao Brasil, pois o Paços não tinha capital para comprar o meu passe, e a direção do Paços mudou. Ai fui jogar no América, no campeonato estadual. Num belo dia, depois do treino, chega meu grande amigo mister Urbano e perguntou pra mim: "Quer voltar para Portugal mais uma vez para trabalhar comigo?" Na mesma hora aceitei. Mister Urbano me ajudou muito.

PC: Depois surgiu a mudança para o Guimarães...
RS: Olha, você jogar por dois clubes que disputavam a permanência na I Liga e receber um convite de um grande clube como o V. Guimarães, que disputa competição europeia... aceitei na hora! Devo muito ao Paços e ao Chaves o meu crescimento como atleta, e os adeptos deles tem meu carinho e respeito, mas o Vitória era uma grande oportunidade.

PC: O que mais destaca dos anos que passou em Guimarães?
RS: Clube grande, adeptos fantásticos, cidade belíssima. Joguei ao lado de jogadores consagrados. Fui muito feliz lá. Grandes jogos, grandes golos. Conquistei o respeito de todos lá. Classificámos todos os anos o clube para as competições europeias. Cumpri meu dever com o clube. Vitória me projetou para a Europa.

PC: E o Milovanovic era assim tão craque como se falava?
RS: Era diferenciado. Uma classe maravilhosa! Grande amigo que fiz. Eu acho que faltou mais oportunidade e sequência para ele jogar. Tinha concorrência grande lá, como o Vítor Paneira e outros. Cada treinador tem um esquema de jogo diferente. Os dois marcavam pouco, mas chegaram a jogar juntos. Dois talentosos sem dúvida nenhuma.

PC: Curiosamente no último ano em Guimarães foi quando fez mais golos, oito, e mesmo assim saiu para o... Braga. Os adeptos reagiram bem a esta troca?
RS: Sim, no meu último ano, o Professor Quinito me deu mais liberdade de atacar. Antes defendia mais, cumpria outras funções. Mas aprendi muito e cresci como jogador claro.
Apenas sai do Vitória porque o Paulo Autuori não ia contar comigo. Fiquei triste, os adeptos também. A vida é assim. Só saí por isso. Muitos adeptos  não acreditaram, pois saiu eu, o Edmilson, o Brandão. O ataque todo saiu, lembra?


PC: E o Braga era a melhor opção?
RS: Tive outros clubes, mas o projeto do Sp. Braga, naquele momento, era a melhor opção. Quero ressalvar aqui que a minha passagem no Braga foi fantástica também.

PC: O Braga naquela altura tinha muitos brasileiros de qualidade: Edmilson, Zé Roberto, Barata, Miran, o próprio Riva...
RS: Sim, verdade! Jogadores de alto nível que nos demos muito bem, dentro e fora do campo.

PC: E os 'grandes' de Portugal nunca o convidaram?
RS: Uma vez o Benfica, mas o Pimenta Machado não aceitou. Disse que me venderia para Itália, e aí nunca me disse porque não fez o negócio. Tem meu respeito, claro, mas era complicado lidar com ele.

PC: Jogou oito épocas em Portugal. Qual destaca como a sua melhor?
RS: Eu não gosto de dizer qual foi a melhor, porque todas foram o máximo. Cumpri todos os objetivos que tinha em cada uma delas. Mas o jogo te digo: Vitória x Parma, em Guimarães. Ganhámos 2-0. Foi lindo! Fiz um jogo fantástico, tal como toda a equipe.

PC: E golos? Quais recorda em especial?
RS: Todos golos que fazia contra FC Porto, Boavista, Sp. Braga... tinha sorte contra essas equipes. O mais bonito foi contra o FC Porto, no Vítor Baía.

PC: Quais os momentos da carreira que mais destaca?
RS: Positivos foi ter um sonho de ser jogador e fui, jogar no Cruzeiro, jogar na Europa, disputar competições europeias, conhecer o Mundo... enfim, desfrutar o que Deus me deu. 
Negativo foi machucar o joelho com 33 anos e não recuperar. Mas agradeço a Deus por tudo.

PC: Qual o defesa mais difícil que enfrentou?
RS: Fernando Couto.

PC: Que balanço faz da passagem por Portugal? Valeu a pena ter jogado cá?
RS: Foi uma passagem maravilhosa! Povo maravilhoso. Futebol de alto nível. Agradeço a todos treinadores, adeptos, jogadores que conheci. Muitos amigos que fiz! Minha carreira 90% foi feita em Portugal. Portugal tá na minha vida e no meu coração. Nada a reclamar de vocês, nada!

PC: Que momento mais divertido viveu em Portugal e quer partilhar?
RS: Rapaz, viajar para a ilha da Madeira era difícil, tinha medo! A malta ria de mim demais. Gostava de andar de avião, mas a pista lá era pequena...

PC: Neste momento é treinador e lidera a Riva Sports. Ambiciona treinar em Portugal? 
RS: Coloco tudo na mão de Deus. Estou preparado para tudo. Quem sabe treinar ou levar um jogador para Portugal... 
Quero aproveitar para enviar um abraço para todo o povo português!


A carreira de Riva, aqui.

Veja aqui, logo no início do vídeo, um golo de Riva, pelo V. Guimarães, ao FC Porto:


E aqui, por volta dos 2:35 do vídeo, um golo de Riva, pelo Sp. Braga, ao Boavista:

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Rui Ferreira


Rui Ferreira cumpriu sete épocas na I Liga e representou, por coincidência, três históricos do nosso futebol: Salgueiros, V. Guimarães e Belenenses.
Campeão da II Liga pelo Gil Vicente em 98/99, o antigo médio decidiu mudar-se para Vidal Pinheiro em busca da afirmação no futebol nacional e conseguiu-o: foram quase 200 jogos na I Liga em sete anos.
Foi Pimenta Machado quem o levou para Guimarães, e Rui Ferreira não defraudou minimamente as expetativas, visto que logo no primeiro ano na 'Cidade-Berço', ajudou o Vitória a ficar no quarto lugar do campeonato e consequente apuramento para a Taça UEFA.
Deixou a I Liga em 2006, quando saiu do Belenenses, e até terminar a carreira ainda representou Portimonense, Sp. Espinho e Santa Clara, por quem enfrentou o último grande desafio enquanto jogador: tentar subir à I Liga.
Rui Ferreira soma, também, dez internacionalizações por Portugal no escalão Sub-16, todas elas alcançadas enquanto jogador do Benfica, que o foi buscar ao Sp. Espinho na última fase da sua formação.
Atualmente com 43 anos, trabalha como comentador desportivo no Porto Canal e dirige a academia de futebol Marfoot, enquanto espera por um convite para voltar a treinar, já depois de ter orientado clubes como Boavista e Sp. Espinho.

Prémio Carreira: Campeão da II Liga pelo Gil Vicente, estreia-se na I Liga com a camisola do Salgueiros. Porquê esta mudança?
Rui Ferreira: Por uma razão muito simples: era um jovem com muita ambição, e o timing para chegar a um 'grande' começava a 'fugir'. Naquela altura, o Salgueiros era um clube que todos os anos ou quase todos os anos, vendia jogadores para clubes grandes, como o Deco para o FC Porto. E também porque era um clube perto do meu local de residência, pelo que apostei em ir para lá com a expetativa de chegar a um 'grande'. Foi mesmo uma aposta pessoal, porque se tivesse ficado no Gil Vicente até ia ser capitão.

PC: Recorda-se da estreia na I Liga?
RF: Sinceramente, não. Sei que antes de começar o campeonato, estava com muita expetativa e algum nervosismo, e com muita vontade em triunfar, mas do jogo em si que marca a estreia na I Liga não me recordo. [Com o Marítimo, em Vidal Pinheiro, vitória por 1-0.]

PC: Que balanço faz da sua passagem pelo Salgueiros?
RF: Faço um balanço positivo. Como disse, mudei-me para o Salgueiros com a expetativa de dar o 'salto' e apostei tudo na primeira época, que a nível coletivo não correu tão bem porque fizemos uma época fraca, mas a nível individual foi extraordinária, e no final da época o Boavista estava interessado em mim e no Pedrosa, mas acabou por contratar o Pedrosa. No meu último ano, descemos de divisão, num ano muito complicado, em que o Salgueiros começou a ter muitos problemas financeiros, tivemos troca de treinador, e o clube teve algumas falhas salariais para com alguns jogadores. Na altura, eu era sub-capitão e o João Pedro era o capitão, e fomos junto da direção pedir auxílio para alguns colegas nossos que estavam a passar por dificuldades. Resultado: acabámos afastados dos últimos oito jogos do campeonato, impossibilitados de dar o nosso contributo à equipa e de tentar ajudar o clube a manter-se na I Liga.
Tenho muito carinho pelo Salgueiros, e sei que esse carinho é recíproco, tanto da parte dos adeptos e da Alma Salgueirista, como da parte de pessoas que trabalhavam no clube na minha altura e que ainda hoje lá estão, pois às vezes vou ver jogos e sou sempre muito bem tratado.

PC: Do Salgueiros mudou-se para o V. Guimarães. Como surgiu essa possibilidade?
RF: De todos os jogos que fiz contra o Vitória, ganhei um admirador: o presidente Pimenta Machado. Como estava em fim de contrato com o Salgueiros e ele gostava muito da minha forma de jogar, decidiu contratar-me. Na verdade, dois anos antes já tinha tido a possibilidade de ir para Guimarães, com o mister Álvaro Magalhães, mas não se concretizou e acabou por servir de ponto de partida para o que veio a acontecer mais tarde. Mas tenho uma grande paixão tanto pelo clube como pela cidade. Posso mesmo dizer que fui "adoptado" pelos vimaranenses e pela cidade, e tenho lá pessoas que não considero como sendo minhas amigas, mas sim como se fossem da minha família.

PC: Em Janeiro de 2005 acaba por sair do Vitória sem ser por sua vontade, certo? O que se passou?
RF: Sim, certo. Foi uma fase de transição do clube. Saiu Pimenta Machado e entrou Vítor Magalhães, com outras ideias para o clube, naturalmente. As direções não se davam bem, e o Vítor Magalhães como queria estar rodeado por pessoas da sua confiança, decidiu mandar embora os jogadores que vieram com o Pimenta Machado. Como estava em fim de contrato e sabia que não havia interesse dele em que eu ficasse, surgiu o Belenenses ainda em Janeiro, e passado um ano de eu sair do Vitória, já não restava lá ninguém do meu tempo. Mas cada um tem as suas ideias, e temos que respeitar isso.

PC: E além do Belenenses, que outros convites teve?
RF: Penso que, na altura, o Beira-Mar interessou-se por mim, era o Luís Campos o treinador. Mas as razões que me fizeram optar pelo Belenenses são óbvias: é um dos 'grandes', tinha um bom treinador e uma boa equipa, em que 'só' para a minha posição haviam o Tuck e o Andersson, que era internacional pela Suécia. Mas felizmente correu-me bem a adaptação, o Andersson lesionou-se e eu consegui 'apanhar o comboio' e agarrar a oportunidade de ser titular, e nunca mais saí da equipa.
Mais tarde, indiquei alguns ex-colegas meus em Guimarães ao Belenenses, nomeadamente o Romeu e o Ivan Djurdjevic, porque se encaixavam nas ideias do clube, de ter jogadores com ambição e com valor não só futebolístico, mas também humano.

PC: No final da temporada 05/06, não só saiu do Belenenses, como se 'despediu' da I Liga. Não teve hipótese de continuar a jogar entre os 'grandes'?
RF: Com o Belenenses, foi uma situação normal de fim de contrato, e o clube não teve interesse em renovar. Da I Liga ainda tive o Estrela da Amadora, mas como estava numa fase muito difícil e não se decidia, optei por ir 'ajudar' o mister Diamantino Miranda, e assinei pelo Portimonense, da II Liga, também para não ficar muito tempo à espera e correr o risco de não ter clube. Em Portimão, apanhei o clube em ano de transição, entrou Fernando Rocha para a presidência, jogámos o ano todo no Estádio do Algarve e tivemos muitas dificuldades para ganhar jogos lá. No ano seguinte o clube viveu uma mudança muito forte, aproximou-se do FC Porto e recebeu alguns jogadores, e a meio da época vim para o Espinho, com a ideia de acabar a carreira no clube da minha terra, mas acabei por terminar a carreira no Santa Clara, que era orientado pelo Vítor Pereira e que estava numa fase de subida, e ele pediu para o ir 'ajudar' pois precisava de experiência. Infelizmente, ficámos 'pendurados' em Santa Maria da Feira na última jornada.


PC: Quais são os momentos da carreira que mais destaca?
RF: Pelo lado positivo, destaco o facto de ter jogado no Vitória de Guimarães, porque foi o clube que mais me marcou.
Pelo lado negativo, destaco o último ano que joguei no Salgueiros, pela razão que já referi anteriormente: por ter sido afastado dos últimos oito jogos, e por ter ficado impedido de ajudar os meus colegas e de exercer as minhas funções. Foi o momento mais negativo e doloroso que vivi no futebol, ainda por cima porque descemos e não pude ajudar a lutar pela manutenção.

PC: Fez sete temporadas na I Liga. Qual destaca como a sua melhor?
RF: Destaco a primeira que fiz no V. Guimarães, em 02/03, em que ficámos num magnífico quarto lugar. Foi uma época extraordinária tanto a nível individual como coletivo. Cheguei ao Vitória como sendo uma 'aposta' do Pimenta Machado e não do treinador, ganhei a titularidade na pré-época, e fiz 32 jogos no campeonato a jogar sempre a um nível muito elevado.
Mas também realço a primeira época que fiz no Salgueiros, pelo que já referi antes, e pelo simbolismo que teve por ser a estreia na I Liga.

PC: Fez 188 jogos na I Liga. Há algum que recorde em especial?
RF: Quando estava no Salgueiros, e jogámos contra o Sporting, naquele ano que o Sporting foi campeão ao fim de dezassete anos - em 2000 -, vivemos uma semana de loucos. Preparámos ao máximo esse jogo, até porque também precisávamos dele para não descer, mas os nossos planos saíram todos "furados", porque o relvado estava uma lástima. Falámos com os responsáveis do clube para melhorar o campo, mas eles disseram que era melhor o campo estar assim, porque os jogadores do Sporting eram melhores tecnicamente, e ia ser pior para eles. Mas não foi, porque ficou 4-0 (risos). E a primeira grande oportunidade do jogo até é nossa, não sei se pelo falecido Miklos Fehér ou pelo Paquito, mas penso que pelo Fehér, que quando vai a chutar, a bola bate num terrão e salta (risos). A primeira coisa que me veio à cabeça foram as palavras dos directores: ia ser melhor para nós, mas impediu-nos de tentar fazer golo primeiro que o Sporting (risos).
Também recordo um jogo no ano que subi pelo Gil Vicente, na Póvoa, contra o Varzim, que ganhámos por 4-0 e eu marquei um ou dois golos, não me lembro bem. Fizemos um jogo brilhante.

PC: E em quase 200 jogos, nem um golo. Há uma explicação para isso?
RF: Há, e é simples e verdadeira: antes de chegar à I Liga, no ano em que fui campeão pelo Gil, jogava principalmente a "oito" e fiz seis golos. Envolvia-me bastante nas jogadas ofensivas, participava nas bolas paradas ofensivas, etc. Mas quando cheguei à I Liga, todos os treinadores apostaram em mim para jogar a trinco, porque tinha um bom poder de colocação, boa leitura de jogo, era rápido, e mesmo sendo baixo, tinha um bom tempo de salto, pelo que eles não abdicavam de terem um jogador com estas características a defender nas bolas paradas, porque como era rápido podia fazer muitas dobras e recuperações, e a jogar a trinco não tinha grande envolvimento nos processos ofensivos. Esta é a razão com que me justifico, digamos assim.

PC: Jogou sete anos na I Liga e representou três históricos. Que significado tem isso para si?
RF: Significa orgulho, principalmente. Foram três clubes que aprendi a gostar, e onde fui sempre muito bem tratado e respeito. Aliás, fui bem tratado e respeitado por todos os clubes onde passei. Mas esses três são marcantes, claro. A certa altura cheguei a ter a ideia de fazer todo o resto da minha carreira no Salgueiros, mas entretanto o clube teve os problemas que teve e não deu. Pelo Vitória tenho uma paixão tremenda. A forma como fui tratado é incrível. O Belenenses é um clube de gente extremamente educada, infelizmente o presidente e o vice-presidente da altura já faleceram, mas eram pessoas de grande simpatia e educação. Acho que esse é um dos 'problemas' do Belenenses: falta mais agressividade num bom sentido, para que possam defender o clube de outra forma.

PC: Qual o melhor jogador que defrontou?
RF: Defrontei vários... Deco, por exemplo, fez dois anos magníficos no FC Porto e saiu para o Barcelona, naquela altura merecia ter sido eleito o melhor jogador do Mundo. Foi uma injustiça na minha opinião. Mas o que mais dificuldades me criava era, sem dúvida, o João Pinto. Eu no Deco 'encaixava' bem porque conhecia os movimentos dele, etc, mas o João não era bem um '10', era um '9 e meio', digamos. Fazia bastantes diagonais, movimentos nas costas da defesa, e naquela altura o trinco tinha sempre que andar atrás de um determinado jogador e calhava-me sempre o João, que era um 'saltitão' como eu lhe chamava. Desgastava-me imenso. Mas, curiosamente, nesses jogos era sempre eleito pelos jornais como o melhor jogador da minha equipa. Também apanhei o Mantorras na sua grande fase, no momento em que ele vinha fazendo furor. Recordo-me que foi um Salgueiros - Benfica, em Vidal Pinheiro, e eu fiz um jogo perfeito mesmo, porque ele vinha 'para cima' e eu não o deixava passar, ia atrás dele, fiz bastantes recuperações de bola, etc. No dia seguinte, num jornal até vinha "A arte de marcar Mantorras", ou coisa parecida.

PC: Que momento vivido no futebol quer/pode partilhar?
RF: Vivi um momento marcante quando jogava no V. Guimarães.
Na época 03/04, estivemos a lutar pela manutenção até ao fim, foi um ano muito confuso, o presidente Pimenta Machado foi ligado ao caso do "Saco Azul", o mister era o Jorge Jesus, e nós queríamos ter resultados, mas por uma ou outra razão, as coisas não saíam. Lembro-me que o mister estava há pouco tempo no clube e as coisas não estavam a correr de feição, por isso ele ia mexendo na equipa à procura das melhores soluções e a tentar que as coisas melhorassem. A dada altura, tivemos um jogo em casa contra o Gil Vicente, que perdemos por 2-0, e eu estava no banco. Com essa derrota caímos para a linha-de-água, e só conseguimos sair do estádio por volta da meia-noite, porque tinhamos a cidade toda à nossa espera para nos insultar (risos).
Na semana seguinte íamos jogar com o Marítimo, penso que logo na sexta-feira, e o Marítimo estava a fazer uma grande época. O mister nem queria dar treino, mas como seria o habitual treino de recuperação, com banhos e massagens, perguntou se dava para mudar o treino para o estádio. Mas o problema é que as banheiras de hidromassagem só existiam no complexo (risos). A maioria queria evitar ir ao complexo para não enfrentar os adeptos, mas eu fui um dos que se insurgiram contra isso, porque não achei correto, uma vez que os meus colegas precisavam de recuperar devidamente, e eu queria treinar para poder ser opção para o próximo jogo. Decidimos, então, treinar na segunda-feira de forma normal, no complexo. Quando lá chegámos de manhã, a verdade é que não estava lá ninguém para nos "chatear".
Começamos o treino, tudo normal, até que quando estamos a alongar, um senhor abriu uma porta que existe por trás de uma das balizas, e sentou-se junto ao poste da baliza a chorar e a pedir para darmos tudo para conseguirmos a manutenção, que preferia morrer a ver o Vitória descer de divisão. Nós estávamos a alongar dois a dois, eu estava junto com o Romeu, e lembro-me que as lágrimas vieram-nos aos olhos. Aí, quase que prometemos um ao outro que tinhamos de nos agarrar a tudo o que fosse possível, tinhamos que dar tudo por tudo, e custasse o que custasse, o Vitória tinha que sair daquela situação o mais rápido possível. Felizmente conseguimos a manutenção, e foi muito à base do grande grupo e espírito de equipa que existia no nosso balneário.

PC: Já foi treinador de Boavista e Sp. Espinho, mas neste momento é comentador desportivo no Porto Canal e dirige a Academia de futebol Marfoot. Por onde passam as suas ambições no futebol?
RF: Recentemente tirei o terceiro nível do curso de treinador, o chamado UEFA-A, e como tenho uma grande paixão pela área do treino, o meu objetivo passa por voltar a treinar. As oportunidades vão aparecendo e desaparecendo, ou porque a direção muda, ou porque surge um investidor com outras ideias, e só me resta esperar pela oportunidade certa. Até lá, vou vivendo a minha vida de forma tranquila, como comentador no Porto Canal e dirigindo a AC Marfoot, que está fixada em Silvalde (Espinho) e que, por enquanto, tem apenas escalões de futebol de sete.


A carreira de Rui Ferreira, aqui.

Veja aqui o resumo da carreira de Rui Ferreira em fotos:


E recorde aqui o célebre Salgueiros - Sporting de que Rui Ferreira fala:

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

João Paulo


João Paulo será, porventura, um dos jogadores que mais clubes representaram na I Liga: foram sete, divididos por nove épocas, num total de 140 jogos e 23 golos.
O antigo ponta-de-lança começou a fazer história no dia 26/07/1999, quando apontou o único golo da final do Euro Sub-18, que permitiu a vitória lusa sobre a Itália e consequente conquista do título.
Mais tarde, veio a estreia na I Liga ao serviço do Boavista e empréstimos sucessivos a clubes do escalão maior, antes da primeira experiência no estrangeiro.
Entre 2005 e 2013, foi alternando entre o estrangeiro e a I Liga, tendo passado por Tenerife, em Espanha, Rapid Bucareste, na Roménia, Olympiakos Nicosia e Apollon Limassol, no Chipre, e Khazar Lankaran, do Azerbaijão.
Em 06/07 ajudou o Paços de Ferreira a apurar-se para a Taça UEFA, feito que repetiria em 12/13, quando fez parte de um 'super Estoril', orientado por Marco Silva, que fez um belíssimo campeonato e terminou na quinta posição.
Na formação, foi Campeão Nacional de Juniores por duas ocasiões, ao serviço do Boavista, tendo somado 34 internacionalizações e 12 golos por Portugal, entre os Sub-15 e a Seleção B.
Atualmente com 36 anos, é delegado do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol na zona Norte do País, e adquiriu recentemente o primeiro nível do curso de treinadores, pelo que o futuro passará, certamente, pelo futebol.

Prémio Carreira: Começo por lhe perguntar acerca do dia 26 de Julho de 1999...
João Paulo: Grande dia! É um dia que vai ficar sempre marcado na minha vida, não só como jogador, mas também na vida pessoal. Foi um golo importante e que fica para a história, ainda para mais porque deu um título europeu a Portugal, o que torna ainda mais marcante e prestigiante, pois conquistar um título por Portugal tem muita importância, obviamente.

PC: Apesar desse título, terminou a formação e foi emprestado, e só no terceiro ano como sénior teve a oportunidade de integrar o plantel principal do Boavista. Recorda-se da estreia na I Liga?
JP: Recordo, foi com o Varzim, na Póvoa, e curiosamente na temporada seguinte tornei-me jogador do Varzim.
Na altura, o Boavista era um grande clube, conhecido pela sua formação de qualidade, e optava por colocar os seus jovens jogadores a 'rodar' de forma a ganharem maturidade. Durante dois anos o clube decidiu, e decidiu bem, emprestar-me a clubes de II Liga, e percebo a importância que esses empréstimos tiveram, porque foram dois anos muito importantes para mim.
Depois quando regressei ao Boavista, é verdade que não foi um ano muito positivo em termos individuais, mas eram os "anos de ouro" do Boavista, a equipa era muito forte e fizemos uma campanha na Liga dos Campeões bastante positiva. Eu ainda era um 'miúdo', e apesar de não ter dado muito o meu contributo, aprendi bastante e fiquei, naturalmente, muito contente por ter feito parte dessa equipa.

PC: Nas três temporadas seguintes, seguiram-se três empréstimos sucessivos a clubes de I Liga - Varzim, Beira-Mar e Estoril. O que guarda de cada um deles?
JP: Penso que o importante na vida é tomar decisões. É melhor sermos nós a assumir, porque só depois é que se sabe se foi ou não a melhor opção que tomámos. E os empréstimos acontecem um pouco assim, porque tanto eu como o Boavista, achámos sempre que era a melhor opção.
No Varzim vivi um ano atípico. Foi um ano 'engraçado' para mim, digamos assim, importante para o meu crescimento, porque joguei fora da minha posição habitual - jogava a extremo-direito. Fizemos uma primeira volta fabulosa, lembro-me que na 'viragem' do campeonato estávamos no quinto lugar, e acabámos por descer. Foi o primeiro 'soco no estômago' que levei na minha carreira, porque acabou por ser um ano de insucesso, e custou bastante ver o clube descer, e sentir a tristeza dos meus colegas e dos adeptos.
Seguiu-se o Beira-Mar, e só posso dizer que adorei ter jogado lá. Adorei a cidade de Aveiro, e apanhei excelentes pessoas a todos os níveis: não só no plantel, como também na parte diretiva, e na parte da equipa técnica, que era liderada pelo mister António Sousa. E há também essa particularidade do meu primeiro golo na I Liga ter sido pelo Beira-Mar. Sei que atualmente está no Distrital, e é com muita pena minha que vejo o clube nessa situação.
No Estoril, apanhei um clube que vivia um período conturbado, por certas e determinadas razões que são do domínio público. Foi uma época muito difícil, numa fase em que o clube esteve perto de fechar as portas. Logo na pré-época saiu o mister Ulisses Morais, que tinha sido um dos responsáveis pelo crescimento do clube, veio o mister Litos, que apesar de não ter começado bem, conseguiu um grande resultado, que foi empatar no Dragão, diante de um FC Porto que tinha jogadores como Costinha, Diego, Luís Fabiano, Derlei, entre outros. Lembro-me que levámos um autêntico 'massacre', era normal que, a jogar em casa, o FC Porto tomasse conta do jogo e tivemos a sorte de conseguir aguentar o empate, com uma grande exibição do Jorge Baptista. Mas foi um ano positivo para mim, porque me permitiu a afirmação na I Liga no último ano de contrato que tinha com o Boavista.

PC: Em 2005 saiu para o Tenerife, mas a meio da época voltou a Portugal, para jogar no Paços de Ferreira. Porquê este regresso?
JP: Recordo-me que tinha várias propostas do mercado exterior, e optei por apostar num país onde o futebol é forte e é bem jogado, na minha opinião. Na altura tinha um empresário espanhol, o que também me influenciou de certa forma, e também tive em conta o facto de a Espanha ser 'logo aqui ao lado' e ser mais fácil a minha adaptação, porque era a primeira experiência que ia ter fora de Portugal. Sempre tive o objetivo de experimentar um campeonato fora, e apesar de em termos desportivos ter estado longe do que esperava, considero que foi uma experiência benéfica para mim.
O Paços, para mim, é um grande clube. Lembro-me que cheguei no último dia do mercado de Inverno, cheguei ao Porto já a meio da tarde de 31 de Janeiro, mas felizmente conseguiu-se a inscrição quase 'à última'. Aliás, nesse ano foi tudo 'à última', até a manutenção. À entrada para a última jornada, éramos a equipa que tinha menos possibilidades de descer, mas a combinação de resultados que estava a acontecer, aliada ao facto de estarmos a jogar com o Benfica, tornava a nossa tarefa ainda mais complicada. Estivemos a perder 1-0, mas demos a volta e ganhámos por 3-1, segurando assim a permanência.
Na época seguinte continuei no Paços, principalmente porque eu, no futebol, acredito em continuidade. E foi isso que demonstrámos na época seguinte, em que apesar de terem saído alguns jogadores importantes, entrámos para a história com a qualificação para a Taça UEFA, também conseguida na última jornada de um campeonato em que estivemos muito tempo sem perder em casa.

PC: Depois do Paços, seguiu-se o Leiria, onde em apenas meia temporada, era um dos melhores marcadores do campeonato e saiu em Fevereiro para o Rapid Bucareste, da Roménia. Que motivos o levaram a sair?
JP: Chego a Leiria depois de terminar contrato com o Paços, e foi com muita pena minha que saí, porque a passagem pelo Paços marcou-me imenso. São pessoas sinceras e honestas, que tinham interesse em manter-me, mas não excedem o seu teto salarial, ofereceram-me o máximo que podiam, mas a vida é assim mesmo.
Na União de Leiria, lembro-me que iniciámos muito bem a época, conquistámos a Taça Intertoto, e disputámos uma eliminatória com o B. Leverkusen na Taça UEFA, em que marquei nos dois jogos: lá perdemos 3-1 e em casa vencemos por 3-2. Individualmente foi bom, comecei a fazer golos, lembro-me que a meio da época tinha treze golos em todas as competições, cheguei a ser pré-convocado para a Seleção, e era o melhor marcador português do campeonato - com oito golos. Em Janeiro tive várias opções para sair, mas tinha uma cláusula de rescisão no valor de um milhão de euros, entretanto o mercado fechou, mas nos países de Leste continuava aberto. O Rapid veio-me observar num jogo contra a Académica, vencemos por 3-1, eu fiz dois golos, e aí eles deram o 'xeque-mate'. Pagaram a cláusula e ainda acrescentaram 250 mil euros por objetivos. Foi uma decisão difícil, porque o negócio foi feito muito rapidamente, estava a atravessar uma boa fase e sentia-me bem, e também porque o Leiria estava a passar por uma fase complicada e não queria deixar o clube naquela situação. Ao mesmo tempo, já tinha 27 anos, e sabia que ia ter poucas oportunidades para melhorar a minha vida de forma substancial, não só em termos económicos, mas também a nível de qualidade de vida e de outra experiência que ia viver. E claro, sabia que com a ida para a Roménia, a possibilidade de ser chamado à Seleção ia-se diminuir, mas optei por tomar a decisão de assinar pelo Rapid.


PC: Esteve na Roménia quase dois anos e voltou a Portugal, para jogar no Leixões. A que se deveu este regresso ao nosso País?
JP: Essencialmente porque começaram a surgir problemas financeiros na Roménia, tanto a nível de população como a nível de clubes. Ao mesmo tempo, comecei a ter problemas com o clube, devido ao incumprimento salarial, que chegou a ser de quatro meses. O clube teve uma proposta para me vender, mas recusou, e eu optei por forçar a saída, tanto que até já tinha apresentado queixa na FIFA devido aos salários em atraso.
Mesmo antes de rescindir, o meu desejo era voltar a Portugal, o Leixões manifestou interesse e eu aceitei. É um grande clube, vinha de uma temporada fantástica, mas naquele meio ano começaram-se a sentir algumas fraquezas, e acabámos por descer. O clube manifestou interesse em mim para a época seguinte, mas como não queria jogar na II Liga e o próprio clube vivia dias instáveis, decidi sair. Mas tenho muito carinho pelo Leixões e pela sua massa associativa, gostei imenso de jogar no Leixões, e posso dizer que é um clube que me marcou.

PC: Volta a emigrar, primeiro para o Chipre, e depois para o Azerbaijão. Foram boas decisões?
JP: O Chipre foi, sem dúvida, uma boa decisão. É um país onde o jogador português é muito bem recebido e acolhido, nunca tive problemas. Primeiro joguei no Olympiakos Nicosia, e foi uma época que em termos pessoas correu muito bem, fiz muitos golos, e sentia-me praticamente em casa porque tinha muitos colegas portugueses. No final da época o Omonia quis contratar-me, os clubes chegaram a acordo, mas eu não me entendi com o Omonia. Depois apareceu o Khazar Lankaran, do Azerbaijão, eu aceitei e eles pagaram a cláusula de rescisão. Mas foi a pior experiência da vida. Por vezes na vida temos de fazer reflexões, e eu fiz a minha, e foi um daqueles casos em que chegámos rapidamente à conclusão de que o dinheiro não é tudo. Tentei a sorte com um contrato muito bom, mas, imagine-se, iniciámos a pré-época, fizemos cinco treinos, e fomos a Israel disputar uma pré-eliminatória da Liga Europa, com o Maccabi Haifa, que perdemos por 3-1. A maior parte das equipas azeris ficam hospedadas em Baku, que é uma cidade fantástica, enquanto que Lankaran é, com todo o respeito, uma aldeia. Uma aldeia com muita gente, digamos (risos). Era muito difícil encontrar alguém que falasse inglês, eram pessoas muito fechadas, e chegávamos a ficar cinco ou seis dias em Baku, e só íamos a Lankaran jogar. O dono do clube fez um centro de estágio enorme, com estádio, campos de treino, piscina, hotel, etc. Aquilo mais parecia uma mini-cidade (risos). E depois houveram semanas em que ficávamos cinco ou seis dias nesse complexo, estávamos muito tempo 'fechados', e essa foi uma das razões que me fizeram ver que dinheiro não é tudo. E outro dos motivos que me fizeram querer ir embora rapidamente foi que alguns colegas brasileiros ausentaram-se do País por uns dias, e quando quiseram regressar não os deixavam, e como eu digo "nas costas dos outros vemos as nossas", e pensei que me poderiam fazer igual, pelo que pedi para sair, e claro que eles não ficaram contentes, porque tinham pago o meu passe, tinha dois anos de contrato, mas entretanto surgiu o Apollon Limassol, e eles aceitaram emprestar-me.

PC: Rescinde com o Khazar Lankaran e torna-se jogador do Estoril. Era a melhor opção?
JP: Sim, foi a melhor, sem dúvida. Tinha jogado lá uns anos antes e sentia-me em dívida para com o clube, porque tínhamos descido de divisão e não fizemos uma boa temporada. Quando o Mário Branco, que era o diretor-desportivo, me convidou, aceitei de imediato, porque já tinha 32 anos e sabia que não ia ser fácil regressar à I Liga. Regressei com grande satisfação, e tive um regresso feliz a um clube que estava completamente diferente do que era uns anos antes. Fizemos uma grande época, em qualquer estádio que jogássemos, jogámos sempre da nossa forma, sem medos, e fizemos muito bons jogos. O Estoril vinha da II Liga e ficou em quinto lugar, garantiu o apuramento para a Liga Europa, e isso fica para a história. O Marco Silva demonstrou e continua a demonstrar que é um grande treinador. A nível pessoal não correu muito bem, porque tive uma lesão em Janeiro que se arrastou até ao final da época, e nós nunca esperámos este tipo de coisas. Mas penso que, dentro de um grupo de trabalho, somos todos importantes, cada um à sua maneira, e eu sinto que também fui importante.

PC: Fez nove épocas na I Liga. Qual a sua melhor?
JP: Estatisticamente foi na União de Leiria. Penso que foi a época em que fiz mais golos no campeonato, logo em termos de números foi essa. Mas em termos coletivos, destaco as épocas no Boavista, no Paços de Ferreira e no Estoril.

PC: Ser campeão da Europa Sub-18 por Portugal foi o momento mais alto da sua carreira?
JP: Sim, foi. Até porque aconteceu na última fase da formação e acredito que foi importante para mim a nível de carreira, porque dei-me a conhecer e, se calhar, falou-se mais do João Paulo.

PC: O que falhou na sua carreira?
JP: Não é que tenha falhado algo... Há sempre margem para melhorarmos.
Mas a minha carreira foi como foi, estou extremamente contente pelo que fiz, e o percurso que fiz enquanto futebolista deu-me tudo o que tenho até hoje. Fiz muitas amizades, nunca prejudiquei ninguém para alcançar os meus objetivos, e isso também é importante, porque todos temos que seguir o nosso caminho sem prejudicarmos os outros.

PC: Qual o melhor golo que fez?
JP: O mais importante é óbvio, o que marquei à Itália na final do Euro Sub-18.
O melhor... julgo que também pela Seleção, nos Sub-20, diante da Turquia, no Torneio Internacional da Madeira. Virei-me de frente para o central, fiz-lhe uma 'cueca', e depois de o ultrapassar fiz um remate fortíssimo ao ângulo, nem eu sabia que chutava tão de força (risos). Infelizmente naquela altura não havia a facilidade que há hoje de se filmarem os jogos, mas fica na minha memória e na memória de quem lá esteve.

PC: Sendo o João Paulo ponta-de-lança, qual o melhor defesa-central que defrontou?
JP: Foram alguns. Ricardo Carvalho pela qualidade que sempre demonstrou, Ricardo Costa que foi meu colega na formação do Boavista e acho que uma vez até me partiu o nariz (risos), o Pepe que considero ser um dos melhores centrais de sempre, o André Cruz que jogou no Sporting, pela qualidade que tinha, entre outros...

PC: Que história ou momento caricato vivido no futebol, quer partilhar?
JP: Curiosamente, quando terminou o empréstimo ao Apollon Limassol e voltei ao Khazar Lankaran, estava decidido que não ficava no clube, mas fui fazer a pré-época até que a situação estivesse resolvida. Entretanto, o clube mudou de treinador, veio um treinador azeri, que falou comigo, disse que sabia da minha história, mas que contava comigo e queria que eu ficasse. Eu naturalmente agradeci-lhe o interesse, mas disse que não queria ficar. Estávamos a fazer a pré-época na Áustria, e qual não é o meu espanto quando no primeiro jogo de treino, ele me coloca a jogar a titular. Eu joguei sem problemas, e como é pré-temporada, estamos sempre mais relaxados em campo, mas, mesmo assim, fiz três golos. Quando acabou o jogo pensei logo "agora é que dei cabo da minha vida" (risos). Mas felizmente acabei por sair a bem.

PC: Atualmente é delegado do Sindicato de Jogadores e recentemente tirou o primeiro nível do curso de treinadores. Quais são as suas ambições para o futuro?
JP: O convite para integrar a equipa do Sindicato lisonjeou-me bastante, porque sempre me identifiquei com a sua política de ajudar sempre o jogador, e também me ajudou algumas vezes, pelo que decidi aceitar o convite para ser o responsável pela zona Norte.
Como costumo dizer, eu não faço planos para o futuro, precavenho-me para ele. Há um ditado que diz "o saber não ocupa espaço" e quero ter conhecimentos em muitas vertentes. É normal que há aquela saudade do dia-a-dia de uma equipa de futebol, de sentirmos a relva, e claro que queremos todos continuar ligados ao futebol, mas, essencialmente, vou-me formar para que um dia, se aparecer uma oportunidade, não tenha que rejeitar por não estar preparado.


A carreira de João Paulo, aqui.

Veja alguns dos melhores momentos da carreira de João Paulo: